olha:


tem uns coisas em mim que não são você.
nuvens chuva dia nublado mais chuva um monte de papéis um passado voando pela casa tantos anos como sou velha, inefávelmente velha eu pensava e depois tanto buraco tanto a fazer uma vida toda sou tão nova e já estou aqui com essas questões de idade e ainda assim me acham nova demais prá isso ou aquilo e eu aqui parada esperando uma mão só um resgate um acalanto um oi, olha tá tudo bem, não compreende, não vê? não percebe que tem tantas mais coisas rolando rondando rodando o lugar além disso dentro de mim um monte de incertezas tudo bem mas as certezas são mais duras de segurar do que as incertezas eu pensava assim que eu podia ter feito outras escolhas em tudo, fazer algo mais fácil da vida mas também não quero, queria ter tido já filhos to com vontade de ser mais velha ainda do que já sou.


tempo

tempo tempo

ilumina, dói.

e não existe.
das dores que sinto restam poucas:
das costas
no dedão do pé
na cabeça (quando não como rúcula)
Doía.
e larguei os dedos prá escorrer de mim a dor
no papel, não na tela.

Doía tanto.

Ela num canto, dança.
Eu, numa dança-canto.

Vale a pena decifrar esfinges?
vale, moça senhora sentada na minha vida?

E eu aqui, com as duras patas de leão
e as lamúrias de séculos sem mim.

Onde andei?
Onde foste.

Te procurei tanto pela casa.

Doía, doía muito.
feliz por decreto
decerto
com cicatrizes brilhantes
das palavras ditas na tempestade do dia.

e tal tal sombrinha tempo.

olhando as patas sagradas de esfinge
as asas atrás dos crânios
as escápulas novamente carnudas
as velhas lutas
as novas labutas
(e um esgar por rimas ruins)

se eu estou tão pronta para o vôo,
por que as patas falham no impulso?

dragão, sinto falta das tuas escamas.
ando nesse transe-vida
fazendo minhas opções por mim
fazendo minha opções por ti

não posso abandonar o que fui
(nem quero?)
mas posso transformar o que sou
almejar o que serei

a arte transmuta o dia.
Tenho medo das palavras sérias
E não sei quais não são.

Tenho medo das brincadeiras ferinas que saem da minha boca

Tenho medo das dores da outra:
(não há um dó sem dor?)

Conheço os caminhos luminosos
E conheço os sombrios
e em algum lugar de mim
o medo se ri e me dá a mão.
(chegando os dias de meus anos
e eu tentando comemorar nascimentos e celebrar vida
com esse costume nefasto de depressão pelo mundo
já vem um choro na garganta de pensar
já vem o pedido: pula o onze, meu deus, pula)


aí descobri assim:

danço sozinha entre a vida e a morte
com minha estúpida sombrinha tempo
numa linha tênue do aqui e acolá
roda o tempo
gira do mundo
e eu dançando!
no redemoinho
com o tempo na mão
e as chaves na outra
acerto o compasso
entro no tom
ressoo no tempo
não há sofrimento
há dor e felicidade
eu dizia a ela, bem calma:
olha em volta
e respira


todo dia só assim bem simples de uma vez só sem nada mais a acrescentar:

olha em volta e respira!

o mundo já existe há muitos minutos anos séculos
e era criado ali
batia uma onda-mar

(eu vi nova iorque pela janela de mim, iluminada. O que é olho-nu?)

e era só olhar

e respirar

o amor é
(retumbância)


respostas prá perguntas que eu não tinha pensado.
Gosto de te ver de pijama
pela casa
Imagino há quantas vidas
Já repetimos o antigo riual das noites

E penso
O que será que nesta vida
reciclado dos antigos hábitos
E o que serão outros que adquirimos agora?

De qualquer forma
Reconforta-me
reencontrar-te

(tão belo esse novo envólucro de alma,
ainda que fosse necessário que
rompêssemos tabus, e que ainda
te espantes que seja eu,
uma igual ao lado teu)

E é nesse aconchego seguro de espinhos
Que escorro pelos dias chuvosos