poema para o o amor futuro
eu ainda não quero saber como vou te conhecer
ainda não
talvez até eu já te conheça
e só não saiba
que você é meu amor futuro
mas se eu puder escolher
eu prefiro que você chegue no inverno
para que eu gaste mais tempo tirando sua roupa
para que eu tente ver sua nuca por entre o cachecol
para que seu perfume dure mais no meu corpo
para que você queira dormir de conchinha comigo
para eu poder esquentar seus pés gelados
para que a intimidade venha aos poucos e reconhecível
para que você não enjoe rápido da minha pisada torta
ou de como eu reclamo do caimento das saias.
eu posso gostar da sua voz primeiro
do jeito que você pega num livro
eu posso gostar primeiro da sua mão
ou de um jeito de sorrir meio de lado
do jeito que você arruma o talher antes de comer
das coisas que você lê
(será que você vai gostar de Hilda?)
você pode ser bonita, você pode ser linda.
mas isso não precisa ser a primeira coisa
eu prefiro te achar bonita aos poucos
por essas pequenas coisas
que eu vou descobrir cada dia um pouquinho
ao longos dos anos que vamos passar juntas
eu e você
eu quero passar várias noites em claro
conhecendo o seu corpo
seu jeito de se mexer
de me pedir água e depois
de espreguiçar e jogar o corpo em mim
de reclamar que eu me espalho na cama
como se fosse tudo tão novo, de novo
mesmo eu eu já tenha visto de tudo:
como se eu e você tivéssemos acabado de nascer
e estivéssemos inaugurando as tradições.
quero vários dias conversando com a mesa ainda posta
e muitas férias sem rumo
de bicicleta pela Europa
pela orla Copacabana ou pelo Minhocão:
porque vai me importar menos a paisagem do que estar na sua companhia.
(será que você vai de bicicleta? Ou de patins?)
então eu espero que você ache isso bom.
quero te mostrar o parque da minha infância
onde eu caí e fiz essa cicatriz
as ruínas da minha antiga escola,
a casa onde nasci, o banco que dei o primeiro beijo
os meus lugares santificados,
e quero conhecer os seus como um jeito de te conhecer
conhecer seus recortes, seus trajetos, seus horários.
eu quero fazer programas furados com você
só pra depois poder rir de como a gente não percebeu
que ia ser um programa furado
num dos cafés da manhã eternos que vamos tomar juntas.
eu sei que você vai gostar (você tem que gostar)
de esperar o almoço na cozinha conversando comigo.
seria muito bom que você cantasse pra mim
enquanto eu cozinho seu prato preferido
(que vai mudar de tempos em tempos)
ou que tocasse um instrumento
ou colocasse musica e dançasse pra mim
eu quero que você fique de mau humor às vezes
(porque eu fico bastante de mau humor)
aí eu vou poder inventar truques pra melhorar seu humor:
fazer malabarismos pra você rir quando eu deixar cair tudo no chão
imitar aquela sua tia engraçada que conheci no natal com a sua família
fazer uma dancinha como o pato donald e a margarida ou ula-ula com o espanador
tirar o som da tv e dublar as falas da kate e do jim no filme que a gente adora
pra você rir de tudo e eu poder dizer: isso também vai passar
enquanto te faço cafuné deitada no edredon cheio de mini travesseiros
(porque você vai gostar dos meus travesseirinhos)
porque sabemos que tudo vai passar mesmo
até nós duas
(mas isso eu não quero pensar agora)
e você sempre rirá dos meus gracejos
e do meu jeito estabanado de deixar as coisas bem de novo
com uma piada boba e uma voltinha
e nunca vai se irritar por coisas que não merecem atenção
as contas a pagar, o óleo do carro, a faxineira que não veio, o aumento do gás
serão coisas menores: do tamanho que elas tem, de cotidiano.
e vai ter um jeito só seu
(que eu ainda não sei, porque é só seu)
de me fazer rir de mim mesma, quando eu não estiver conseguindo.
eu quero te mostrar como o sol bate oblíquo
nas manhãs azuladas de outono
de como ele entra e lambe a parede do meu quarto
por entre a veneziana
e ilumina o beijo do klimt
(eu sei que você vai amar o sol)
e quero que você me mostre aquela foto da sua adolescência
que você esconde de todo mundo,
aquela com corte de cabelo de gosto duvidoso e ombreiras
eu quero dizer eu te amo de muitas maneiras
até das maneiras óbvias, assim: eu te amo
e das menos óbvias,
como lavar a sua louça no frio
ou regar as suas plantas
ou deixar post-its pela casa com fragmentos de poesia
ou levar seu cachorro pra passear e chamar ele de "filho"
(será que você vai ter cachorro? ou gato? ou os dois, como eu?)
e você vai aceitar meu amor eterno,
leal, compassível, entregue: como um rio
pequeno em sua nascente que se avoluma,
molda paisagens e se lança ao mar serenamente.
eu sempre vou levantar antes de você
(eu sempre levanto antes de todo mundo)
fazer um café e trazer na cama,
(será que você vai gostar de café tanto quanto eu?)
depois de te deixar dormir mais um pouquinho
e ficar observando como você dorme bonitinho.
eu vou gostar do cheiro do seu pescoço ao acordar
e você vai querer acordar comigo todos os dias.
talvez eu leia e você prefira ver tevê
ou então eu vejo aquele programa
sobre o santo sudário com você
sabe? aquele programa que só eu e você gostamos de ver
eu vou te contar minhas virtudes,
mas os defeitos você mesma vai perceber,
porque eu não sou boa nessa parte de fingir
e eu vou conhecer cada mania boba que você tem
e umas coisas que vão me irritar
mas depois de um tempo
eu e você vamos nos amar por causa dessas coisas
e não mais apesar delas.
eu vou te mostrar todo dia as suas virtudes
eu vou te fazer um elogio por dia
(e nunca vai faltar palavra pra te elogiar)
mesmo que seja só:
a luz do jeito que bate no teu cabelo faz um reflexo lindo
ou
gosto quando você começa a sorrir primeiro com os olhos
ou
aquela música que você colocou ontem foi como um cafuné
ou
fiz seu prato preferido, amor.
será que você virá inesperadamente?
num dia em que tudo deu errado, e eu te encontro de repente?
será que você virá num dia pacato?
será que eu vou saber que é você na hora?
ou vou perceber como passar dos dias?
será que você vai gostar de discutir azulejos?
e a posição do sofá? dos meus desenhos pelas paredes?
da lista de músicas que eu fiz pra te mostrar
enquanto espero você chegar?
eu nunca vou querer que você me salve de nada
(nem da falta que você já me faz antes mesmo de chegar)
porque agora eu não tenho mais medo
não tenho medo nem de que você não venha.
há entre eu
e quem eu amo
quilômetros.
na tarde fria
promete frio
porque tudo cheira a morte?
se amor é redivivo e se reinventa
se o amor ainda tenta
e teima em me assolar
me avassala
por mais que eu diga:
vai embora amor,
me deixa respirar
para de sufocar
aqui há um tórax
de onde o coração
e partido foi
mar-estelar de mim
guardar-se para não me ferir
não há mais lágrimas:
tudo foi sentido
será que era eu aquele pardalzinho suicida
em vôo cego no teu mar?
de dormir pra sempre
leva-me junto no teu sono?
eleva-me
sonha comigo e habita
minha noite, intacta
como na memória dos pardaizinhos
um sonho em brumas
onde eu possa amar-te em paz
e mais
tu cavalgarias num pégasus lilás
e eu num beija-flor arco íris
e eu viria a teu encontro
ao ires
colheríamos flores
bromélias e acalantos
nunca mais haveria pranto
e só sorriríamos
isso num nunca acordar
num para sempre adormecido
ao teu lado
rente a um rio
que nunca cessaria
de correr para o mar
tomaríamos com golfinhos
longos banhos
(e os botos também participariam)
depois nos levariam
pra perto dos tritões e ondinas
desejaríamos nunca de lá sair
e que nunca raiasse o dia
(também nunca ninguém saberia
nosso intrincado segredo:
de que te desejo para além do tempo
e que és um presente momento)
e mesmo assim
quando o sol insistisse em romper os céus
nós ainda em profundo sono
nos abracaríamos em sonho
e nunca morreríamos.
em que ardem os olhos e os poros
de eu te amar num instante-conectado à eternidade
enquanto sol batia forte em suas costas
lambendo cabelos&peles no contra luz
desenhando a aura-anjo-contorno-brilhante tatuado na minha retina
Você ria de algo muito bobo, como um trocadilho
e o riso completava o quadro
por tudo, onde o passado não existe
onde não existe medo nem futuro
onde tudo ainda é potência
amei-te e amo
esperando que o sol se ponha solene
como em antigas falésias.
Tudo leve, tudo macio
tudo lívido, tudo vívido
por tudo vivido
já vale um dia ao sol.
(se eu pudesse eu dizia, e
isso é o coração querendo
o que os dias dizem não)
abre um vácuo no tempo e retoma
retorna
me acha aí dentro
procura
não me perde
não deixa
que o tempo
a vida
as coisas
empaquem
abandonem
destruam
o que era quase amor?
ou o quase era maior
que no estilhaço sufocou?
então abre o vácuo tempo
acha a brecha temporal
e me mete aí dentro
(que o resto se resolve:
tudo que ficou suspenso
os dias os tempo a distância
os outros o julgo o silêncio)
acha uma ilha no seu peito
me deita lá com livros
cães e gatos e café
e me visita no entardecer
que te faço rir um pouco
que te deito nos meus braços
e fico comentando os filmes
(não,isso eu nunca mais faço)
eu sei fazer de novo
eu posso ainda fazer
mas
eu posso também
só deixar escorrer.
Chamo-me agora tufão
E dessa diminuta altura conclamo os ventos
Dos raios, sou o trovão barulhento
Fúria varrendo os mares
Onde dantes repousava meu corpo
Onda era meu corpo, o olhar
é sangue-som a ventar
Balanço, onda, marejar
Corro por entre a noite sem luar.
Pois sou em diante vento
Éter estelar
Ventania cósmica, queima-pulsar
Asteróide, palavra, brisa,
farfalhar
de riso e pranto no meu cantar
Sou aquela que sacode
balança, faz quebrar
Transmuta, transforma, faz estancar
arrepia na coluna
quebra pilar, abala a estrutura logo ao chegar
Espalha o que não é firme no ar
Se são ventos de boas novas
Que trago ao passar
Só os que forem comigo poderão julgar:
é por detrás das minhas asas
que me mantenho no ar
se ousar me querer,
se quiser me ter,
vai ter que agüentar.
De não fazer planos futuros
Me refundei
De assim
me olhar em espelhos retorcidos para mim
rir de mim.
Devagar, assim.
De não fazer planos futuros
já construí miríades de lares
em outros lugares
dentro de mim.
(Cada vez que me deixares
sairá um poema?
E se forem muitos
pena
vais deixar-me mesmo assim)
de não fazer planos futuros
foi meu coração além:
construí planos eternos, meu bem
(se é que eternidade pode ser leve
porque se nunca termina e nunca principia
fica suspensa no girar da roda da vida
espaço-tempo redesenhado pelo amor)
Não tenho medo de usar essas palavras
eu fui lá e vi o que era!
Era amor, com essas letras
como ele se manifesta é o que veremos
é a aventura.
É Ítaca longínqua nunca chegando
apesar de estarmos à sua procura.
Escrevo poemas então
para quando chegares
para quando partires
para teus acordares
E rires.
E quando esgotar o lirismo
Se é que um dia finda
como é eternidade
Seja o que for
Te amarei ainda.