II.
Agora sou eu
quem caminha
no deserto púrpura.

Estou só.
ou pelo menos assim me parece
E é impossível saber se é verdade
pois
Está escuro e faz frio, como num ventre morto.

Eu tateio o ar com as mãos atadas
Eu cheguei até aqui guiada
e daqui devo sair sozinha.

Eu estou nua
Ou pelo menos assim me parece
Pois sinto o vento frio apalpar minhas coxas e barriga.
Então eu temo que
Se alguém me vir agora
Verá as tantas cicatrizes feias no meu ventre.
Que fiz com faca, cega.
(Desenhei um caminho de lesmolisas
Imaginei meu ventre verde e brilhante)

Temo e desejo.
Que logo me vejam
Pois não gosto de estar só.

(Onde está minha pele de mamute?)

Não sei o que procuro
tateio o nada infindo e fundo
do escuro que habito.

Procuro um peixe?
Um macaco?
Uma baleia?
Uma lista de memórias fingidas?
Uma parede onde possa repousar meu corpo?

Eu pensei que as mãos tateavam fora
Mas é dentro que orbito.
Se procuro con-tato
É com a boca que acho:
esquecido num canto num canto num canto num canto num canto num canto
num não canto
Murmúrio
Púrpura
Em canto.
(o infinito não tem vértices
o escuro nunca cessa e o frio é intenso
meu encanto não esquenta o tempo)

Acho não fora mas dentro
Um canto esquecido nas têmporas
Que entoo a toa
Pois sou per-sona.

 (eu procurava um peixe)
eu mesma canto e me encanto.
Em canto sai de mim
Um som.
Que me conduz.
Como uma sereia as avessas
Eu sigo meu próprio canto
Talvez cabeça de peixe e pés de senhora
Ou talvez asas
(eu as tinha por trás das escápulas)

Ainda sinto o vento por dentro
Saindo em forma de som
Uivando nas frestas das minhas cicatrizes
Mais alto
Mais alto
Mais alto
Vôo.

Não estava escuro, eu vejo
Fui eu quem insisti na cegueira
E agora
Abro um olho só:
Um ventre de peixe me habita.
As cicatrizes e suas entranhas
Pendem
As asas
Suspendem
E sei que em breve vou cair.
Continua frio
Mas achei minha pele de mamutes.

Sereia-peixe-mamute-de-funda-cicatriz-aposentada-com-asas-nas-escápulas.
De longe vejo com meu redondo ciclópico olho
o deserto-pântano
que saí
entoando
essa poesia-en-canto.

Um comentário:

Dilma disse...

vc e sua poesia: lindas.