Essa história
E me lembro que à
época
Que me
pareceu bonita.
Eu tinha 2 anos e
era bailarina.
Agora posso
reconta-la,
mas aviso:
A morte invadiu a
minha poética
Quando começou a
rondar nossas vidas
E deixará marcas profundas.
A marca própria
dos mistérios
Por isso
construirei poemas fúnebres.
Eu não queria
olhar mais aquele cadáver que respirava.
Respirava
cadavérica
Com a maldição
lhe comendo a voz.
(esse é um canto
de morte e dor,
não prossiga
não termina bem
com metáforas
suaves
termina triste
e feio como um
tumor)
Um caranguejo
comeu minha tia.
Comeu-a aos
poucos
Nos deu tempo de
olhá-lo bem
Deu tempo a ela
de olhar bem pra sua face roxa.
Comeu primeiro a
alegria
depois a voz
depois a ironia.
Agora
ela era a bela
adormecida.
Dormia
E tínhamos que
vigiá-la
velá-la, eu
diria.
(eu havia de
zelar por ela
eu me des-espero
pois não sei fazê-lo)
Era a
feia-adormecida
A bela já havia
partido.
E deixava-nos
partidos
Segmentados
sem a sua cola
sarcástica
Sem seu amor
desmedido.
Era um pouco de
nós que morria.
agora só nos
restava
que um
príncipe-morte
viesse
para dar o beijo
final
e a libertasse
e sabíamos que só
sepultaríamos
o feio
caranguejo.
um arremedo da
beleza
feio como
qualquer arremedo.
Minha tia-bela-adormecida
Vai olhar pra
face do príncipe-morte com amor
Como nos olhava
por trás dos dois óculos
E eu tinha
certeza que no dia seguinte após o almoço
Eu poderia tomar
café em sua casa
E ela diria:
“Você viu que
besta esse caranguejo? Um lance, achou que me comeria”
E eu contaria
piadas e segredos
Que ela
guardaria.
Mas esse
caranguejo besta
Bobo e rancoroso
Comeu a voz da
minha tia
E eu sou criança
demais
Pra entender
Que ela não
voltaria.
Eu tenho medo
dele
Do
príncipe-caranguejo que a beijará
Como aquela
bailarina que eu fui também tinha.
Mas não sabia.
Minha mãe fia e
confia
Com o silêncio de
uma rainha-mãe
Ela é uma criança
como eu
Ela é forte como
eu
E
nossas almas estão em andrajos.
(Nem a esperança
do outro lado me acalma
Eu só queria, egoísta
Que o futuro não
tivesse chegado a galope
e que caranguejos
não cavalgassem)
E tomaríamos
Mais quinze mil
cafés
Ao som das
risadas
Dois óculos
“Um lance”
E fado.
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