Cruzei uma linha tênue
dolorida de descaso
a dor saqueia meu ar:
tudo é perplexo de medo
revolve por dentro
a efeméride de 19 dias:
como pode trazer o tempo
a certeza do que é eterno?
Tudo guiado por risos estalados
de deslumbre e por hormônios a flor da pele?
Balança a vontade do junto de mim
a aspereza dos meus arredores?
Perdão, amor
perdoa-me por não ser pura luz cintilante de ti
perdoa
por também as vezes calar-me
por também as vezes chorar
por saber-me mortal, pecadora.
Perdoa.
Que eu aqui
frente aos restos da noite boa
deixo que o pranto corra e que tudo doa.
Limpando-me da insegurança,
deixando que a dor escoa.
Para que na hora de ver-te
eu seja risos e bocas
limpa de dor
só te ame
seja só amor.
dorme dentro de mim um dragão
vastas escamas em chumbo
olhos amarelos em risco
reptilianas asas:

quando acordo esse moço
me olha com olhos embaciados
me sacudo leve de mim
para não despertá-lo

quando devoro,
ele de ventas flamejantes
morde nucas, prende o ar
faz cena de ninar
faz comentários bobos ao meu ouvido

qdo durmo ele acorda:
caminha pelo breu noturno
é notívago meu dragão
sobrevoa a cidade a procura
de aplacar minha solidão

mas ai!
se encontra o dragão
uma alma perdida
um gêmeo desamparado
um filhote esquecido no beco
o traz o dragão à casa e lhe dá de mamar

de tanto peregrinar o dragão
esconde amores pelos armários
finjo que não percebo
quando eles ronronam na noite.

por vezes na insalubre busca
ele me persegue também:
estou eu à deriva na rua
em consonante busca de alguém

quem sabe um dia, por pena
o dragão me traga ao meu quarto
e me trancafie no armário abarrotado de impossibilidades.

ficaria eu trancada em mim
e o dragão à solta
livre para salvar
as almas dos peregrinos.