Ela se move como se fossem dela
os meus minutos
(e são)

Me olha num rito repetido:
joga um beijo de longe e pisca
sei que não me quer por lá
enquanto fecha a casa sobe o muro
e limpa os mortos
com esmero tal que me desespero:

"amor, o corpo é carne e serve só de vaso
prá que tanto bálsamo em cadáveres?"
e ela limpando a casa-alma,
me jogando protocolares beijos
significando talvez:
amo-te, por isso não se aproxime.

ela tem lá suas lógicas


e eu


respeito.
Era um primeiro último
Eu contemplava o futuro incerto
e todas as mudanças que ocorreriam no átimo de tempo

Desacreditada de passagens como essa
aprendi ainda menina que valiam
mais meus sonhos em minhas horas de sono
em celebração extásica.

Amo em silêncio os gatos a casa a vida
os que me cercam (também silenciosos)
celebro os presentes os dons as dádivas
inauguro quem sou todos os dias
porque deveria reinaugurar num último dia
o velho hábito das águas

levanta-te senhora dos mundos
e me abençoa com tua luz graciosa
e me queima as águas do rosto.
do alto dos 28 anos contemplo a última manhã rançosa.

profetizo: tudo será diferente agora.
Cansei de ter de cobrir-me de tristezas
Para verter poesia!
Ah!

Não posso eu jorrar algo em que floresça
Os tais dias felizes esperados?

Não pode ser essa metade de mim a que canta?

Por que até em chamar-te padeço, Contenteza?

Ventura, ouça:

Peço imploro
Te profetizo, Regozijo
Te invoco, Alegria
Conjuro teu nome catorze,
infinitas vezes,
Teus inúmeros nomes.

Canta sobre meu corpo
Verte sobre o meu verso
inspira minha torrente
Sangra a purificação.
Da fusão de água e ar
se faz fotossíntese.
Chamo-me agora tufão
E dessa diminuta altura conclamo os ventos
Dos raios, sou o trovão de som
Fúria varrendo os mares
Onde dantes repousava meu corpo
Era meu corpo, olhar

Pois sou em diante vento
Éter estelar
Aquela que sacode
arrepia por trás das orelhas
barulha e venta

Por detrás das asas me mantenho no ar
Teu nome é dureza
Meu é abisso

(É com frágeis braçadas que me mantenho emersa
E de tanto debater-me
molharam-se minhas asas.
Compreendi, nesta noite infinda
que não há aquele ou aquela
que abarque os meus sonhos)

Teu nome é tronco
Meu é profundeza

Jogo-me contra ti,
como se profundeza
não fosse um nada imenso
Uma cavidade
É não matéria que sou
É buraco
oco
vazio
cavidade
preenchida de água límpida

A espera da pedra, lapa, tronco
que jogada
circunscreverá os traços
a movê-la.

(compreendi que não será turvada
a não ser por mim
entendi assim:
apesar de reflexa,
a água carreia luz)

Teu nome é noite
Meu é chuva.

Amanheceu o dia chorando minha lágrima.
por trás da cabeça abriram-se as asas
mas ainda sem as penas,
que crescem aos poucos
antevejo a vida,
e me amedronta.
não sei não vivê-la.
tenho medo da simpleza:
então ser feliz é assim?

queria que elas batessem antes da queda
pois caio em mim e dói.

achei que viveria tudo isso assim,
a teu lado
na tua frente

mas é sozinha que vôo.

(percebi que ainda em revoada
é solitária, doída e cansativa
a migração dos pássaros)

me sinto só e fujo de mim.
Olho:
corpo nuca peitos
minhas mãos.

não penso sexo
penso dentro.

desejo mais
que minhas mãos entrem
por onde se abrem entradas
(já que por outros poros não vão)

e possam elas serem hábeis
para manusear seios e medos, e
que estes caibam nas mãos.
Não é assim não, garota,
Porque me doem partes intocadas.

Talvez não tenha nenhuma parte do tórax
por dentro ou fora
que alguém já não meteu a mão.

resolveste agora meter-te onde?
Na cabeça, crânio: também já lá foram.
Nos pés, também já se enfiaram.
Por que brecha desejas entrar, se ando plena?

Plena de mim, plena de nós.
O que queres? Placidez?
Dou.
Loucura? Tenho de sobra.
Maremotos? Sou.

Que esperas então, menina?
Que sejas suficientemente mulher para ter-me?
Que volte eu a ser menina para amá-la?

Ando cansada das ondas do tempo, pequena...

Que importa a mim se nesta vida calhamos de nascer assim
mulheres de diferentes estaturas
iguais nos medos de pé no chão
identicas no modo de correr?
Que importa aos outros se somos
suficientemente livres
para nos amarmos em silêncio?
ou ainda gritando em plena avenida:
duas pernas entrelaçadas
e no meio fio, amor.

A quem importa?

Disse-te outro dia que eras uma
e não a
e disse-te que no momento eras a
e não mais uma
disse-te: movo-me pelas controvérsias
do verbo
pois não acredito nele.
E disseste que deverias sentir
falta de algo de mimo
Que não poderias ser assim para sempre
Que devo portanto não amá-la um pouco
para que se saiba amada.

E foges de pés descalços com evasivas
sobre a vida cotidiana
sobre tu e sobre mim.

Escapa-me dos dedos
sobra, derretes pelas farpas.
Dou-me como barganha.


Aceita.
A dor abraçou-se do meu tórax
Pela noite, rondava minha cabeça
dizia: vai, regurgita tua felicidade.
Não podes ser feliz assim, sem dor.

Cato ela pela cangote:
que queres de mim doença?
Mostrar-me como sou frágil humana?
Já o sabia eu.
Mostrar-me dureza, as escolhas?
Já as faço há tempos.
Doer-me o peito?
Nem é o peito que atinges, é embaixo!

Nada podes tu contra mim.
Nada.

Só entrevar-me na cama,

e ainda por cima,
escrevo poesia,
zombando de ti.
Anos sem que uma linha saísse de mim
Por que dizias: o que escreves de mim?
Senhora!

Nada o que escrevo é sobre outros
É de mim que partem as horas
Sobre minha dor, falo.
Como falaria eu da tua?
(nem mesmo este te alcança)

Queres que te diga que cantei loas a outras?
Não.

Ando casada com a solitude forçada.

Me sinto só por dentro de mim.
E esfinge, redobro novamente em duas:
a contemplar de cima do mar,
a dor dos oceanos;
e debaixo deles ver
a leveza dos céus.


E por isso instável: hora sou eu
e hora sou eu-outra.
E raro ser outra e eu
(e é daí que saem os escritos e
tenho que aprender a nada ser
para escrever linhas a ti ou a qualquer um.)


Porque
egóica
individual
solitária
rondando em volta de minha pata de leão
centrada meu umbigo
no meu mundo
(já é vastidão cada ser);

Olho da láctea via do céu:
miro a dança oceânica das marés
me levam de cá para lá e de volta
jogam-me com as forças plutônicas.
E das profundezas abissais vejo:
eu dançando com as estrelas
em amor e regozijo;
há flores pelo cosmos
que olham e miram e
riem e dão sorte.

E quando vejo uma já sou outra,
E quando outra já sou uma
E nunca Una.

E é por isso
Que poucas vezes saem escritos
de uma alma que não consegue
ser o que vê
e nem ver o que é.

Inteireza,
Vem.
Aporta.
Estou pronta para ser também horizonte
onde mar e céus se encontram.
estou tão feliz que
deixo doer em paz.
dalias Posted by Picasa
Acordei pensando em dálias
Não acordei: saltei da cama
Duas horas antes do despertador
Minutos após o sol.

Voltou a meninnice de sair correndo da cama
prá fugir do banho (que eu mesma me obrigo)
E programar o dia todo,
cada segundo
só prá depois furar.

(adoro quando não vou nos compromissos próprios:
sei que não fui prá tomar um café comigo;
então
furo comigo
só prá usufruir de mim)

andei por toda a nova rua
novo bairro
fiz velhos amigos

olhei prá casa ainda nua
e já transvi vestida
com as coisas importantes dentro:
amor
gatos de casaco
cozinha de bruxa
amor
amigos
velhos e novos
mais amor


e


dálias.
Muitos anos se passaram nessa semana
Por entre os séculos seculoruns
Por entre as frestas de choro e riso
Por entre becos de amor contente
Eu escorri.

Sou aquela que escorre do tempo
Escapo das minhas próprias mãos
Pelos outros chegam as notícias sobre mim
Que sou brava um tanto doce
Que sou névoa, enigma
Ou clara, gata, fofa
Engraçada, inteligente, sagaz

Que fiz isso ou aquilo com aquela

Por trás de tudo
eu
tentando
escorrer os dias
até que os anos que se passaram
passem.
Doem-me as vísceras
Dói tudo

Arranco do peito o passado
Para abrir-se a flor
A quero linda.
Reinventando-se
Descobrindo-se ao meu lado
(enquanto descubro eu quem sou e serei)

Fruto flor que agora semente
Precisa pouco prá árvore: tempo
E essa ilusão é a única que não controlo.

Não mais bifurco: enfoco
Pode uma esfinge sem enigmas?
Serve-te uma serpente espiral?

Vazia agora estou
Suspensa no meio do salto
(Surpresa em meio ao rapto)
Indiscretamente feliz.

E caso encerrado.
Resolvi ser feliz por decreto.
Por que me entristecem ausências que há tanto tempo já faltavam?
Só por que proferi o fim de algo já findo?

Então fiz assim:

subo aqui nesse tronco caule árvore
comtemplo o infinito
e percebo que o tempo é uma convenção
que a linearidade é um engodo
e que tudo é circular
como a vida a terra e o disco solar

Vivo portanto o momento presente
que contempla futuro passado e imatéria
e permito que experimente
coisas improváveis:

vou vestir esse vestido por cima da calça
vou sair na rua semi-nua e ouvir fiu-fiu
vou comprar leite ao meio dia
e beijar até gastar a boca
não vou ter hora prá dormir
vou digerir os alimentos
vou ouvir luiz gonzaga com meu pai
vou alugar um novo apê
vou pensar a casa minha
vou lembrar dos gatos e em vez de chorar, rir.
vou pensar em flores inventadas
vou inventar novas palavras
vou fazer poesias com listas
rindo de mim
não vou ligar pros outros
vou comer trufa de hortelã
vou experimentar goiaba
vou treinar pensar baixezas no meio do trem
vou gravar cds de amor
vou lamber sovacos e pescoços
vou viver um pouquinho de cada vez
vou não caber em mim bem devagar

vou ligar quando e quanto quiser
vou amar os meus amigos, mesmo que eles não me amem agora
vou comer carne vermelha e fazer sexo
vou rezar pro anjo da guarda
vou me proteger da intempéries
vou ser um tufão-maremoto com amor

vou voar e saltar e correr e pular e ser tudo qui que sou:

Parluizindo, como um luzin dourado
cheio de micântios em volta
e evelises
evelises
evelises
Que dia é esse em que passo, torpe, criança?
Que sol é esse que queima meu rosto?
Sinto os olhos dos outros em minha nuca estrela.
Sinto o queimar dos olhos dos outros
em minhas ossudas asas.
Quando finalmente nascerão as penas?
Quando fatalmente largarei o rastro ancora chão
voarei enfim ao largo do dia
não perto do sol
não longe de Vênus?

Senhora Afrodite
Parteira dos meus dias
me guia
Guia
me guia?

Dá-me tua mão e segura?
Leva-me daqui donde dói?
Guarda contigo os domingos de ócio
(o sol brilhava lá fora e nada de sair de casa)
devolve-me as esperanças
a imaturidade do largar-se

Este é o preço do vinco no rosto, senhora?
Doer sem fim e não largar?
Me largar?
Ou é só a carapaça dos dias?
A rigidez de Apolo onde sempre tão Baco?

A dureza de minhas patas de leão,
O olhar dos meus esfingícos olhos
as asas depenadas
as patas prontas ao salto.


Vai


Salta.

Salta, Helena, deixa consumar o rapto.
Olhava-te
Não como se olha um lírio ou um acalanto
Olhava-te curiosa:
Donde brota tanta força?
Retraio:
Donde vem tanto amor?

Não olhava como se olha um lírio
Não um acalanto: um broto.
Olhava-te com os olhos desentos

Pudesse encravar minhas escápulas descarnadas
Nas tuas asas de ferro e chumbo
Ou as ancas pontudas nas tuas coxas
Ainda: meus ossudos pés
nas tuas raízes de árvore-tronco.

Mas simplesmente olhava-te
Como se fosse eu o lírio-acalanto
E fosses tu a admiradora de flores

Olhava-te como se tua imagem
Aumentasse o que serei
Como se meu desejo já fosse realização

Olhava-te
Como agora olho perto
Como estando agora dentro.

Como quer o AMOR (que guia):
Sempre
Senhora,
Tens que girar o mundo tão rápido que não acompanhe?
Tens que virar assim minha cabeça
Que não respire?
Não podes rasgar minh´alma em dois para que sinta
Jubilo amor dor medo felicidade tristeza alegria saudade?

Olho para trás
No momento da curva
Já ali nasceu uma ruína
Já nasceu velha, antiga e linda
Bate um sol gostoso e sei que há encaixes.

Olha para frente no caminho em que agora ando
O forte sol do meio dia me cega
De força, de luz.
Queima
Arde
Insaciável.

Antevejo flores e peça que sejam aquelas que sonhei
Lemosins, micântios, trevores, locorias, pândicas,
fidunídias, dinótares, coloríneas.
Vejo luzins por toda parte
E antevejo o mar onde desemboca a estrada.

Que fazer?

É trilhá-la.

Nunca me abandone, senhora.
E apareças em sonhos, ou em dias como este.
De sol brilhoso.
solidao no sinteco. Posted by Picasa
Ela dizia que tinha gavetas no lugar de cabeça.
Eu tinha oceanos.
Ela dizia: vc erra assim.
E e errava pelo mundo.

Ela dizia que não ligava
prás coisas que me eram caras,
e que eu abafava as dores das águas.

Ela: cérebros e crânios espaçados
com um tanto de amor entre eles
Pele na pele, lutas.
Por que só uma? dizia
e me surpreendia com libertações.

Ela aceitava meus ossos e pele.
Ela ria das minhas insutilezas.
Abafava meus maremotos.
Aplacava minhas doenças.
Aceitava minhas mágoas.
Felicitava-se com as horas ao meu lado.

E eu sorria de amor e glória.
Vejo vinco em meu rosto: não estava aqui
(é tema recorrente da vida: sua passagem)
Apalpo as costelas, que antes não tocava
e das escápulas brotaram asas.

Voei, portanto, não tão perto de ícaro,
não distante de dédalus,
com a esfíngica cabeça em apolo
e a terrena cauda em dioniso-baco.

De cima, nas horas fartas de janeiro,
contemplava o mar de impossibilidades
e gotejavam dos olhos as dores procuradas

Dizem:
Venceste a tudo e a todos,
venceste ti mesma
e a paga é:
a exaustão radiante do trabalho quase feito
o desespero calculado do porvir
e esse vinco aí em teu rosto.

E se tudo se resume a essa marca
que revela os quase trinta anos atravessados
que apareça o vinco, a marca, a ruga, nesga,
que retorça a cara, afete, desfira, fira,
que mude, transforme, escorra, reluza

que a mulher se apresente assim:
eu.
Penso em cabelos cortados
e colos repartidos
e vejo olhos por todas as partes.
Doces, ternos, brilhosos.
Vigilantes, honrosos.

Penso em estátuas de mármore gelatinoso,
imensas, aterrisadas, e vejo-as a toda hora,
a hora toda.
E nuas, retorcidas: engrenagens.
Verdes, azuis, não enxergo: vejo.
Toma conta da vida, move.

Penso em arbóreas ruas
com guardiãs-salamandras colossais
coloridas, luzentes, fotonízeas.
em casa unas, com flores penduricalhadas
umas e outra: é dia de ramos
e o povo anda a volta.

Vejo lemosins e micântios.
E trevores e locorias.
E pândicas e fidunídias,
e dinótares e coloríneas:
todas flores que sonhei.

São tuas e estão na porta das casas.
Nas ruas, nas horas, nas engrenagens.
Nas estátuas, labaredas, colazores.

Vem, tem um pouco ainda disso
que não hei de mostrar a outro
que não tu.
Tens para mim o gosto dos cafés compartihados
Das manhãs preguiçosas de julho
e das agitadas e cruas de setembro.
tens o gosto da comida devota
do amor compartilhado com os bichos
da fala inútil, besta e agradável.

Tens o som dos despertadores quebrados
Ecoando naquelas manhãs
do teclado martelado de madrugada
do furto a geladeira, sonâmbula,
do breque do carro no portão
da felicidade canina com tua presença.

Tens o cheiro exato daquilo que almejo:
perscrutar teus cheiros, achar o local
onde nasce meu desejo.

Tens a temperatura ideal:
quente no inverno
refrescante no verão.
Tépida na meia estação.

Tens o encaixe corpóreo
Tens as palavras certas
Tens as atitudes corretas,
planejadas, esperadas.

Tens tudo o que precisava eu.
Mas tens também ausência.

E por saber-te tua,
e recordar teus pertences,
torna-te presente.
Fazemos assim: deixemos que passem as horas
na balela dos dias
enquanto o amor escorre pelos lastros.

Sinto falta de tudo, amor: de nós, dos gatos
das patas, da minúscula cozinha, sopas, pão.
Do cheiro de ração, do edredon com pelos,
do cheiro de café fraco e doce pela manhã,
do bom dia mau humorado,
do cheiro do teu primeiro cigarro.

Cachorros expressam a revolta pela minha ausência:
mordem-se, contrário da pacatice dos dias de sol,
quando eu tinha tempo de deitar-me com eles
e contigo.

Tempo: dizem relativo, e eu digo impositivo.
Eu perdi quase tudo que me importa:
não vi os meninos abrirem os olhos,
nem seus primeiros passos.
Não estava lá para rir do bichano no cesto.
Perdi a hora do café.
O cachorrinho já é um guardião.

O tempo das pequenas coisas passa,
e o das grandes, do trabalho, da adultice, fica.

E se aos poucos a casa se esquecer de mim, e eu não mais puder surpreendê-la ao amanhecer?
E se os gatos não mais me atenderem, e eu ficar a chamá-los, tola?
E os cachorros me estranharem, ao invés de brigarem por mim?
E as panelas mudarem de seu indefectível lugar e eu não mais me mexer na área que é minha da casa?
E se tu também já não te recordares de quem sou?
E se eu perder um pouco de mim nisso tudo?

Adultice!


Menineza.
Hordas barbareas saquearam meu corpo
dado a imperfeição
E usaram.
Como líder, uma parte escura de mim
incitada pela glória da inconsequência.
Ferimento a bala não - colher, sem fio,
entra na alma a estacadas.

Não há água que lave o que escorria de mim.
Veneno, lascívia, luxúria, muito próxima a dor
estava a minha cabeça de leão.

Olho meditativa do canto escuro do ser.
Muita luz, muita sombra.
Não há holofotes, nem feixes de luz
nem luz.
Quem em perfeito estado sucumbiria?
qual imperfeito estado resistiria?

Merecia facas nos teus olhos e encontro flor.
Flor flor flor, se ainda não doesse tanto
ser esfinge, dura, cruel, amorfa.
Retorno a ti como quem retorna das batalhas.
Mil anos se passaram numa noite.

Crueleza: deixaste-me sozinha entre adagas
Facas, espadas, ferros, lanças.
Fui-me também embora de mim e
enfim era só ausência.
Um corpo movendo-se entre esferas.

De um lado dor
De outro possibilidades perdidas
negadas
Acima mirando tudo,
da esfera etílica
serpente esfinge cobra e duras garras

Patas
Lanças
Algumas dores.
Cobro-me perfeita
e a distância é imensa entre eu e eu.
Nunca entre eu e tu.

Saiba, tenho também só alguns anos mais
o resto é de menos.

Perdoa-me amor.
Passou.
Eu sempre olhei pra você com olhos mais fundos do que reservava aos outros.
Então via o fundo de espelhos distorcidos, da minha sombra, do que não sou.
Meu amor se deu pela negação, pelo que difere.
E penso como podem duas pessoas diversas em tudo,
serem iguais e próximas.
.
.
Não sei direito em que hora desse longo dia que transpassamos juntas
eu passei achar que o espelho era eu, e que era eu quem distorcia
os cios e os ócios e as horas e as palavras.
Depois ainda fiquei pensando que o espelho era algo,
nem meu nem seu, mas algo do mundo e da vida,
e que alguém estava fazendo uma brincadeira de mau gosto com tudo.
.
.
.
Mas era de gosto fino, de amor.
Um dia eu li, entre os escritos dela:
espelhos são cérebros ao contrário.
.
Gostei dela mais naquele minuto.

Me visitaste hoje nos sonhos, menina
onde por hora possuo-te, senhora.
Ouviste as cândidas palavras
que gostaria de dizer-te em vida.

Porque Morpheus é meio irmão de Thânatos,
e abraçam-se - sono e morte.
Passeávamos as duas, mãos dadas
e abracei-te voluptuosa e mórbida.

De resto, são brumas
como as névoas da manhã
do dia parido sem sol.
'Sou como a água: com fluidez atravesso o portão que se abre para mim.'

Mão Auto existente Azul
(por que procuro definições)
E novamente aqueles olhos que guardam facas de pontas sangrentas, olham-me acusatórios. Penso em sutilezas. Não as tem? Por que eu, esfinge de mil questões sei mais perguntas que respostas. Posso indagar-te sobre fins e começos, mas cansei-me das acusações. Pois se foste tu que arcaste com meus mundos, se foste tu que também escolheste ser pedra ao lado de meus oceanos, ser porto, ser âncora. Sim, necessitávamos de chão. Tu que escolheste sê-lo. Por que não escolheste ser barco e me navegar? Por que não gaivota, enguia, gota, orca, carangueijo, cobrad´água, octopus, navio, jangada, tronco, pelicano, peixe, algo movente? Foste tu a escolher a comporta e eu me fiz por isso maré baixa.
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Os tempos mudaram e tuas comportas de nada me servem, me barram. Tua âncora enferuja com a longa corrente que arrasto. Tua pedra se gasta e te tornas areia. O que faremos com as águas? Deixemos que Atlanta se inunde e esperaremos impassíveis os escafandristas apocalípticos?
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Se a cura para seixo e rio é brisa e labareda, vale a dor de arder no fogo dançante para contemplar a libertária ciranda em que os pactos se emendam? E se os pactos forem trocados por combinados fluídicos de dureza relativa ao estofo da alma? E se a alma for estufada com finos cetins púrpuras e maná dos deuses e, ao invés de âncorada por latros duros, lançada com potentes asas como as que sonhaste, asas de dragão, que não suportam o peso réptil, mas te leva onde desejas soprar o hálito-fogo?
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E se déssemos as mãos e alcançássemos vôo, tu, com as pequenas asas escamosas e eu com as minhas - que a minha estrutura não suporta quando abertas, tamanha envergadura do que sonho e tão fraco e diminuto o corpo desnutrido? Poderíamos balancear o curso? Cairíamos as duas com nossas ilusões de corpo?
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Não posso amarrar-te a mim, nem obrigar-te a vir.
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Dá-me a mão. Quero mostrar-te algo: vê, também há escamas em meu rabo de serpente. Trinca os dentes tu também naminha carne. Prefiro ser as duas serpentes infinitas entrelaçadas junto a ti do que esta, estúpida, que devora sozinha sua vértebra.
Porque chegas assim, menina nos olhos, e olhas dentro dos meus
E porque os meus, treinados para distração, concentram-se nos teus,
agradeço todos os dias por ser feita de outra matéria que os colhões.
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E porque roubas de mim algo que me é precioso: paz
Mas me dás algo ainda mais caro: o dom, a fagulha
Não te deixo partir
E também não vou.
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Talvez eu vampira,
e que tu ardas em sangue
Pudessem as rochas moldarem-se aos leitos dos rios!
Mas sabemos que não, que são as águas que se moldam.
.
Ainda que por fim, ao cabo de milhões de anos, acabem
por encontrar a justa forma: furam pedras, abrem caminhos,
aos humanos olhos são as águas que se movem.
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Mas também fazem areia: amorfa, disforme, infértil.
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Como eu, água, saberei, quando se forem os séculos, se abri caminhos ou cavei desertos?
Tens dois lados, senhora, me disse em sonho:
.
um, com o qual segura cajado-espada-martelo
e persegue com determinação divina
tudo aquilo que é podre, caótico, burlesco
.
é desse lado que figuram os monstros,
que a fantasia anda à sombra ao lado
de sereias, vampiras, dores e profundezas.
desse lado também que nascem as paixões
e a mão segura estraçalha prontamente
o arroubo, o frêmito e o enredo.
.
desse lado, senhora, podes tudo
e tudo perdes: os cajados, as sereias
por fim se destruirão, e não saberás então
se foste tu que os destruiste ou eles a ti,
e cairá nas profundezas do oceano.
.
mas do outro lado, ao sol, derramas flores
sobre tua própria criação,
e contemplas também tua parte de Deus.
.
Há carismas, melmóides e floretins brilhantes
Parluzindo e esvoaçando ao redor, guiando
Os passos dos que, por opção e júbilo,
te seguem e contemplam também a luz.
.
Se não há arroubos, há amor,
em grandes e caudalosas ribeiras,
e dessa água doce bebes e alimentas as tuas crias.
Por que há crias e regras, e disciplinas rigorosas
Onde também por tocar um cristal
podes estilhaça-lo, criando luzins.
.
.
Não podes escolher entre um e outro
Por que sois os dois.
És duo, e serpente e esfinge,
criaturas como tu são os humanos.
.
.
Aliviei-me. Sou humana?

Todo dia

Eu ia escrever uma coisa muito inteligente, mas
.
.
em se tratando do dia,
.
.
.
resolvi varrer a casa e fazer almoço.
v�s? Posted by Hello
olha Posted by Hello

Nascimentos das garras

Eram grande olhos, muito azuis, que olhavam muito através de mim. Talvez uma porta por trás da cabeça. Eu ainda achava que eram prá mim os olhares doces dos grandes olhos muito muito azuis.
Atrás deles, uma janela, onde mostrava uma noite muito preta, sem luz, sem avião e sem lua. Talvez existiu um momento que fez um sentido e gravou na minha retina a cena. Amanhecia.
Era o quinto ou sexto copo de vodca. Um cheiro forte de noite etílica. Mas livros, muitos livros, contos, e poesia embriaavam mais do que o álcool.
Sugava meu sangue de tempos em tempos, e com goles de vodca e C. F. Abreu. Eu, Bloody Mary, estava ali por gosto, mas poderia sair, caso quisesse. Bastava abrir a porta atrás da minha cabeça, erguer o corpo e sair na noite muito sem lua sem olhar prá trás. Mas eram tão azuis os olhos e tão doce a poesia, e era só o meu sangue que eu dava em troca. E ainda não havia me tornado o que sou: serpente-esfinge-de-olhos-pintados. Não era portanto essa eu de agora que havia se apaixonado pelos olhos.
Ela, meio vampira, meio sereia de grito poderoso, me prendia com o olhar e o canto. Dizem que os vampiros derretem na luz do sol. Mas não foi assim não.
Eu vi, na janela atrás dos olhos, a noite virando dia, forçando a beira do céu prá romper. Vi os olhos ficarem da cor do azul vespertino, um azul específico. Ou foi o dia que tirou o azul dos olhos vampirescos. Eu olhava fixamente, tentando apreender o encanto. O dia alto no céu azul claro, sem nuvens.
Não tinha força para levantar, mas o que me prendia não estava mais lá. Como que por magia, ou pela falta dela o meu corpo ergueu-se, saiu pela porta e ganhou o dia.
Assobiava de felicidade. Dormi três dias. O corpo refez o sangue.
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Quando acordei, reparei numas unhas de gato-leão nas mãos. Essas mesma que carrego nas minhas duras patas.
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Inda encontrei, anos depois, a sereia-vampira, mas a magia havia partido. Talvez por que fosse dia, talvez por que já fosse eu esfigeorobórica, mais preocupada com meus encantos.

Noite de São Bartholomeu

Tudo gritava dentro de mim e eu não sabia por que. Como se antevisse uma coisa dessas, dada a tragédia.
Doía um pouco a barriga dela, eu acho, e tinha sangue pelo quarto. Era hoje mesmo, como foi.
Pariu um gato cinza ou quase preto, muito pequeno, menor do que podia ser um gato quase cinza, ou preto. Não o queria. Em meio a outros filhotes grandes, olhos abertos, um quase feto preto miava. Um rebento.
Eu sentia medo. Ela agia naturalmente, como se deixar sua cria a mercê do por vir fosse o natural naquele momento. Naquele e noutros. A natureza é sábia, não? Não dá prá saber por quê isso aconteceu. Por mais que eu queira.
Foi muito rápido, e eu já sabia. Ela saiu, veio a outra, pantera negra implacável. Duas lambidas e uma bocarra que abocanhou bem a cabeça. Fez dois furos. Em meio a meus gritos de pavor, ela saiu, deixando aquele filhote enjeitado pulsando sangue. Pegamos no colo. Não no colo, nas mãos, diminuto moribundo. Ele respirava, miava. Depois parou de miar, mas arfava. Não parava de sair sangue da cabeça dele, e dor e lágrimas de mim. Durou uma hora de agonia. Morreu.
A mãe foi lá, olhou, não achou grande coisa. Nós achamos.
Não sei se ela pariu outros, antes ou depois que tiveram o mesmo fim, ou um fim mais completo: devorados.
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De manhã, a mãe que rejeitou sua cria, amamentava os filhotes da assassina de seu rebento.
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Conviver com animais é os amar como são. São mais tetas para esses sete filhotes, são menos bocas para dividir o leite.
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PS: Por que não existe uma palavra específica para a mãe que perde seu filho, como existe a palavra orfão, para o contrário respectivo?

Nha Vida

Hoji n`odjal
Hoji n`odja homi di nha vida
Ê cenam Ku mon n`fica sima pomba perdida
N`amor bem dam razon di vivi
Bem intchi nha vida di kusa fasi
Nhas horas alegri n`krê passa Ku bó
Nhas horas tristi n`krê passa ku bó
Nha passa tempo n`krê passa ku bó
N`amor ami n`naci pam vivi ku bó
Bem pegam no mom
Bem lebam ku bó
N`krê bai na bu ragass
Refrão
Bem inxinam tudo kusa k`inda n`ka sabi
Bem lebam ku bó inxinam tudo kel ki bu prendi na vida
N`amor bem dam razom di vivi
Bem intchi nha vida di kusa fasi
N`sta raserva nha vida pa bó
N`amor ami n`naci pam vivi Ku bó
Refrão
Ó kim sta ku bó pa mim mundo ka existi màss
Ó kim sta ku bó mundo feto só di nôs dôs
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(Lura)
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Não entendeu?

Reconhece

Olho em volta. De um lado e de outro estranhos: minha família. No espelho, uma estranha espreme minhas espinhas.
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Em que corpo vim parar, deus meus?

Auto descrição matutina

Não há espelhos que reflitam meu ser, e sou portanto, não imagem. Se me miro nas águas cinzas das poças paulistanas vejo apenas uma menina, com olhos pintados e brincos. É feliz, acho. Se olho nos olhos dela aí sim vejo: esfinge, de duras garras. Mas oroborus que se come-se. Se sou leão, sou metade serpente, e tenho asas de águia. Acho que tenho chifre, não sei. Um apenas, como unicórnios, mas não me transporta. Impulsividade de búfalo à sombra. Sonhadora, é provável. Capaz de loucuras. Dança no meio da rua, pisa na poça e a não-imagem se turva.
A cabeça onde esfinge manda propõe enigmas onde sou as duas pontas, a esfinge e talvez também Édipo. Miro nos olhos dela e fico embasbacada, por que contenho todos os enigmas do mundo, que se resumem em um: eu ou não eu?
A serpente, que só se sacia com o próprio gosto de sua pele trocada, devora um pedaço da cauda, que é sua e de outrem. Giro em torno de mim mesma e só vejo a tal serpente me comendo, que ainda sou eu, tal como um sonho que se passa dentro do próprio umbigo. Um gato. Uma chama de fogo azul. Na nuca, asas. Na testa, chifre. Na cabeça: a esfinge, a serpente, a nuca, a testa, a cabeça: e dentro dela esfinge, nuca testa e serpente e cabeça: esfinge, nuca...
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O que resta da menina de olhos pintados?

Cedo em São Paulo

Eu disse que gostava de acordar cedo. Não menti, não. Eu levanto cedo prá ver minha casa, meus gatos, meus cachorros entendendo o dia. Acordo cedo porque gosto de surpreender o sol. As seis e meia todos em casa já comeram. As sete passo o café. Tomo banho. Escrevo. As oito a casa está limpa e de pé.
Na minha casa-paraíso, o sol nasce devagar e faz tanto silêncio no mundo que dá prá ouvir ele espreguiçar. Uns passarinhos revoam, atrás de minhocas e fugindo do olhar atento dos gatos 'a espreita. Gosto de andar na penumbra e deixar meus olhos se acostumarem aos pouco com a luz. Eu ouço o estalo das plantas começando a fotossíntese diurna. Dá prá escutar o despedir das estrelas no céus. Mesmo porque, lá o céu é estrelado.
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São cinco horas da manhã e estou em São Paulo. O barulho dos ônibus é o mesmo que as cinco da tarde. O sol vai chegar de repente, já atrasado. Não estou na minha casa. Essa casa, como a cidade, não descansa. Não há o que fazer, não encontro meus gatos, não ouço passarinhos, não existem plantas. Existo eu, um cedrninho e uma caneta. Muito barulho: é dia?
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Por que acordar tão cedo numa cidade que não dorme, numa cidade onde os cheiros, as casas, o dia e as cores são cinzas?
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São cinco e doze e eu já acordei. São Paulo não dormiu.
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PS1: Em pequena, a trilah sonora das mnhãs era o rádio do meu pai que gritava "a cidade não desperta/ apenas acerta/ a sua posição".
Ps2: Ainda bem que amanhã já é paraíso.

Porque a esfinge é um bicho feio

Eu, enfinge de duras garras, na tua frente proponho-te um enigma assim, de duas pontas:
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De um lado eu inteira, nua, dançando numa corda bamba com uma sombrinha minúscula. Talvez use lindas sapatilhas de cristal, e a corda seja irreal. Se olhares bem, verá dos meus olhos escorrer sangue, ou lágrimas tão vermelhas quanto. Talvez eu esteja olhando para baixo, amedrontada, para jacarés famintos, ou uma horda de ostrogodos sedentos.
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Do outro lado, eu, mas não inteira, em pedaços. Uma compota-geléia-doce-de-casca feita da minha carne. O sabor é imperdível. Talvez eu ainda sorria o meu túmulo de açúcar, feliz por guardar doçura e paz. Acima do pote, é possível que enxergues gatos, cachorros e plantas: meus amores. Abaixo do pote, verás um grande gramado, onde nascem ervas de cheiros incríveis e curativas: meus aprendizados.
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Que lado escolherias, se para trás não pudesses regressar?
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Quem das duas senhoras poderia te saciar a sede e amor e devoção?
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Repara mais um pouco.
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Aprende quem sou de um lado e de outro.
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Observa.
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Olha ainda.
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Não vês?
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Compreende a esfinge que te olha a espera do beijo redentor:
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Ela ainda sou eu.

Medo

Tenho medo.
São seis e dezesseis e eu já estou de pé.
Voltar pra cama é inútil, mas eu sei que ainda vou tentar.
Medo do quê?
De mim, da minha inconstância.
Só o amor é perene em mim.
Eu tenho muito poucas, mas o amor é certeza.
Mais do que a dúvida, a certeza me amedronta. Dizem que é estranho, por que é a certeza o porto seguro. Não meu. O meu porto seguro é cada dia um outro, é cada momento uma dúvida. Quando eu não tiver mais do que duvidar, por que viver? Tenho medo por que a sina de uma certeza é se desmoronar. Tento transformar o amor em dúvida, mas eu sei, é certeza.
Não é fácil, não, viver assim, na dúvida. Dói um pouco, sim.
Sou um pouco egoísta, por que talvez me cerque de pessoas retas pra corrigir minha curvatura. Olho em volta, e talvez nem meus gatos me queiram mais aqui: prá eles só há uma certeza: a casa, que prá mim também é dúvida.
Mas nem isso que eu escrevi prá mim é certo.
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Dói um pouco.
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E medo.

Talvez o fim, recomeço

Quem eu amo está triste.
Penso se sou eu, com minha tristeza infinita que a contagiou de finais.
Mas não tenho sido triste.

A vida está corrida.

Os dias passam rápidos, e os que passam devagar demoram.
Demoram pra chegar


e quando chegam não parecem bastarem-se em si mesmos.

(Houve um tempo quem que eu podia estar com ela só, sem ninguém, por horas dias anos.
Agora não mais. Agora aparece um buraco)

Ela pensa em fim. Eu recomeço.

Não sei se ela me ama, não sei se sou aquilo que ela ama, não sei o que ela ama em mim.
A estabilidade dela talvez me passe rasteiras diárias.
Vale-lhe mais o cotidiano do que minhas intempéries, talvez.

Talvez ela precisasse de uma outra, não eu, não assim, não sem ossos.
Não tão pronta pra voar.
(Por que ela não veste minhas asas de sonhos?
Por que ela não veste as asas dela, que já antevejo tão lindas e brancas.
Ou verdes, como a cura que vem lenta, cicatrizando por dentro, por fora, pelo passado e pelo futuro.)

Eu quero viver com ela por muitos anos.
Não sei se ela aguentará minhas tormentas.
Não sei se suporto o chão.

Eu a amo.
Ela também.
Eu sinto, ela sabe.

Rocha com pontas, às vezes vasa mel.
leite e um pouquinho de dor.
Queria poder lamber a dor,
e que tivesse prá mim gosto de leite e mel.

Mas não.

Não lambo: não há como penetrar a redoma da cabeça dela.
O crânio talvez.
A simbiose que me é fácil, clara,
é dura e evitável prá ela.
Dói um pouco.

Talvez fim?

Penso em reinícios.
sobre luzes e trevas: enquanto ensolara lá fora, tempestade na cabeça. Posted by Hello

Sobre Trilhos

Eu tenho uma hipótese sobre o estudo da natureza humana a partir do comportamento confinado dometrô/trem (em tempo: trem é metrô?) Mais do que no ônibus, que permite um certo jogo compartilhado devido ao seu diminuto tamanho (em relação ao trem, claro) e divide a atenção com o trânsito, a rua, os transeuntes; o metrô e o trem concentram o humano numa caixa fechada por um bom período. Nesse lugar (que nem bem é um lugar, porque se move, mas também não é um não lugar, porque por dentro dele é parado), onde não há o que fazer e nem o que ver (você dirá: "o trem tem sim paisagem! Não é subterrâneo!" Mas eu lhe direi que a paisagem é: fundos de galpões sujos, muros, grades, costas de favelas e trens mortos, o que nao é atrativo como a diversidade visual do Largo da Batata as cinco da tarde...), e no final das contas é só uma caixa transportadora, eu passo mais de três horas semanais (tem gente que passa umas doze!). É mais doq ue eu passo no bar! (as referências mudariam se eu fosse boêmia).
Cada um se comporta de um jeito. A maioria, como é cedo (são oito horas da manhã), dorme. Dorme não, cochila, pesca, se coça, encosta, dá uma babadinha. se limpa, confere a estação. E dorme. Dorme não, cochila... Tem um cara atrás de mim que está trabalahdno via celular. Não dá prá saber direito o que ele faz, talvez seja muambeiro. Ele se espalhou no vagão como se fosse seu escritório. suas coisas nos bancos opostos a sua frente: sua mesa. Ao seu lado tem um copo de café! O celular toca. O cara do lado dele, dorme. Dorme não, cochila, pesca, olha feio pro executivo muambeiro, a cada "sim, pois não", e a cada toque de celular (é um toque chato... parece um ataque super sônico de mariposas). Talvez não tenho dormido a noite. Tem cara de baladeiro. Do outro lado do vagão, na outra ponta em que estou, um menino ouve walkman. Bate o pé as vezes. Quase cantarola. Parece que a qualquer momento vai levantar e sair dançando. Acho que é hip hop.
Olha em volta de novo. Um rapaz olha prá mim, fixamente. Não tá me paquerando não, mas é que eu estou escrevendo num caderninho meio embolorento, mesmo com os tremiliques do trem. A letra falha e eu insisto.
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O que será que isso diz de mim?
um outro. Posted by Hello

First

Fiquei pensando outro dia que eu sou eu. Parece um pensamento bem estranho de se ter, mas só sabendo esse tipo de coisa que a gente acaba chegando a conclusão que não sabe direito o que é. Não o que. O que sou eu sei: ser humano. Quem sou? Aquele pensamentozinho que nasceu, foi de mim? Aquela vontadezinha de comer chocolate sou eu? Se eu sou eu até nos pequenos gestos, se eu mudar os pequenos gestos deixo de ser eu? mas aí vou continuar sendo eu, de outro jeito. Um eu mudado. Um outro eu, ainda que reconheçam a gente na rua, vc sabe que não é a mesma pessoa. Tá, sem aquele papo careta de o rio e o homem mudam, não to falando de água, to falando de dia a dia. Por exemplo. Eu guardo sempre o bilhete único no bolso do celular. Eu passei a guardar na carteira. Eu sou eu? Se eu sou o que eu penso, eu nunca paro de modificar? se eu nunca paro de modificar, como eu tenho parâmetros prá saber quem sou eu?
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De fato, a gente sempre é EU. O difícil é saber como.

janela Posted by Hello

Pensamento

O importante mesmo é se manter em movimento.

O cérebro nunca pára. quer dizer, se você pára ele continua pra um lugar que você não comanda. Então o melhor mesmo é comanda-lo.
Por isso eu escrevo: pra ver se sai de mim algo que seja mesmo um eu.