vermelho e verde me apareceu
demoníaco sinal de morte
mutilação fúnebre
medo inconsequente
dor
cabeça num turbilhão.
olhos boca coração
o peito não abarca
o medo
faz um arco e te pega pelos pés
a frustração
o mundo não é como eu queria
(se se fosse tão imperfeito seria
quanto é imperfeito meu sonho)
meus sonhos sonhos são
a realidade intangível
o mundo ilusão
e meu corpo dói
como se mil nãos
fossem proferidos
na escuridão
a noite quente,
então se desfaz em choro
e furacão
não faço cena.
não digo palavrão.
só deixo a noite escorrer pelas mãos.

quando tudo passar
talvez entendamos que tudo
não passa.
e que o passado está o tempo todo presente.

(o desamor
escorreu por entre os dedos
e jogamos cal em cima
o caos por cima
dos ombros
acusávamos do que não podíamos
me dávamos o que não tínhamos
recusavamo-nos a ver
quantos dias e noites já havíamos
eu cruzado na sua agonia
ela a cata das minhas misérias)

(eu temia o looping.
eu não quero ficar sem ela)

ela sabia que me tinha em suas mãos
eu não teria de reaprender a viver
sem ela
(só de escrever já dói)
teria que reaprender os passos
os caminhos
o amor já tinha seu cheiro
os dias tinham seu ritmo
meu relógio contava suas horas
mas na hora do desamor
era isso só porque eu queria

estou prestes a me jogar
na aventura total de um dia ser
o que nasci para ser
o que lutei pra ser
e era você
e só você,

que queria ao meu lado agora

mas tudo irrita
e quando tudo passar
já será passado
e você já não esteve aqui
nem eu aí.
eu estive aqui
com um tanto de terra nos olhos
com um tanto de amor nas mãos
segurando firme meu coração entre os dedos
enquanto ele quereria novamente
encaixotar-se no mar

um tanto
a espavento
penso:
seria esse
realmente o momento
de jogar tudo aos quatro ventos?

desejo
tensa
que
nisso
você
nem
pense.

Deus olha pros lados em dia ímpar
Nos dias pares,
conjuga casais.

Nos dias de chuva,
Deus aproveita pra sair
na São Paulo atordoada
a trovoadas
pois só no caos
Deus pode contemplar
o homem em sua magnitude:
sua obra mais
Divina
De ir e vir na
rua molhada.
Nos dias de sol,
Deus fica em casa.

Deus é o próprio sol.
então
em dias de trovoada,
o sol se molha.
o Deus sol, olha
Deus só se molha
se preciso
for
só se
for
formoso.


Deus é curvo.
Deus é circular.
(por isso Deus anda por aí em tantas coisas repetidas)
A chuva estanca a cidade.
A vida foi suspensa
de tanta boniteza
Deus pensa:
é por essas e por outros
que, as vezes,
ser Deus
compensa.

Leia o conto escrito especialmente para edição ZERO da linda revista de teatro ANTROPOSITIVO.
Para ler clique aqui.
A verdade é não sei o que fazer
com essa pele de mamute que vesti.
Não sei despi-la e não sei usá-la.
Só o que sei  é me enredar em seu particular novelo de especificidades.
Só sei me aconchegar em seus vastos longos pelos
e cantar a velha milonga dos paquidermes antes de dormir.
A pele de mamute escava-me os ossos, as lágrimas, os dias.
O mamute já se foi
e deixou-me essa herança morta.
dobro-a, escondo de estranhos
mas qualquer um que penetre a casa
já antevê o couro corroendo
cobrindo os móveis mais delicados.
É ainda mais terrível quando anoitece
e a pele recorda seus dias de glória
no lombo das manadas furiosas
e então me debato amedrontada
e tenho pesadelos.
A pele de mamute anda gasta
poída, doída, tripartida.
mas se não sei mais usá-la
não soube nunca tirá-la
só sei amá-la, pois me aquece no inverno;
e odiá-la o mesmo tanto
quando rompe a primavera.
Ela tem seus motivos
Suas hélices-espirais

E eu apenas finjo me surpreender
com seu silêncio
programático
denso
(louco para ser quebrado por abraços)
porém
quando há braços
o que responde é o desdém
é desaconchego
é dureza pronta ao grito
eu me movo com almofadas nos joelhos
num chão onde derramaram verbos nus
(verbos devem sempre ser trajados
caso contrário, ultrajam)

não me zango
só arrefeço.

volto meus braços a mim
e não permito que palavra mal dita
me atinja
no mais
coração pulsa de vermelho
tinge lençóis.
choro, feita de água que sou
balanço, feita de vento
e ardo, feito pira
eternamente reluzente
constantemente retumbante.

E o mundo, nada tem com isso:
a primavera vem, ainda assim
e por que é assim
que assim seja
e eu agradeço que venha.

ama-me
com a placidez dos pássaros
em vôo rasante sobre o oceano
ama-me
como se os dias nunca findassem em abismos
como se eu nunca anoitecesse em pranto
ama-me
como se a vida fosse mesmo um suceder de sonhos desfolhados
como se pudesses ir ao mar catar crisântemos
como se nunca doesse nascer
ama-me
e só
ama-me
e olha minhas rugas com altivez dos jovens e sabedoria dos maduros
e olha meus tropeços como se fossem uma dança linda e intencional
ama-me
e permanece comigo mesmo quando não parecer crível
por que estou com fitas demais amarradas aos pés
por que sofro por formigas e ritmos
ou por que gostaria sempre de dormir mais cedo
ama-me
enquanto for possível suportar a aurora
e quando a noite se fizer necessária ao riso
e quando não tiveres mais força para abrir as portas e janelas das almas
e quando a herança dos flagelos tiver esgotado sua fúria
e quando eu for livre para roubar-lhe um beijo insone
e quando quiseres rir-se de mim
por ser brutalmente estúpida
ama-me
nos porquês e não nos apesares
nas levezas
ama-me
sem avareza?
e joga-me em tua carne reluzente?
ama-me
que recobro de forças
para te amar pra sempre.
Quando tudo é placidez
Contempla o oposto

Porque insiste em não me dar a mão
e se acalmar no meu peito-coração?

Aceita meu abraço perpetuado
no simples ato
de reverenciar o tempo passado
recebe meu amor, ainda que calado?
(só porque está cansado)

Com pás e ganchos e cordas
baldes e potes e enxadas
e afagos de gargalhada
acordamos a madrugada
fria: quentura de amor

Amor, tudo é pra já e perene
a hora é agora e solene
mas nada importa tanto que te inflame
a alma em dor
é passageiro, meu amor
suporta, esquece,
não entra no fervor do mundo
vem cá, se aquece
no meu abraço profundo

faz falta as alegrias
não se aparta na dor
eu te amo e só queria
que aceitasse, amor.
o coração aperta
quando se embate com a certeza
mas se tudo é processo
por que o medo do incerto?
Se vai dar certo
se está correndo, coerente, correto
se não é pretérito?

coração não é esperto
é expert em criar caso
em dar mole pro acaso.

coração, olho aberto!
faz tudo devagar,
vai pulando o pesar
pensa no longo caminhar
ame-a e a queira
só estar por perto.
sem apego
sem demanda
sem controle
sem pesar
leve daqui esse farfalhar de dor
limpa
(a)
lava
transborda
a mar.
Fui dar uma volta a toa
me perdi numa esquina
virei na paralela
e fui parar de frente ao coração dela.
Entrei, não sem antes respirar fundo
(entrar no coração do outro é quase que entrar em outro mundo)

Achei que seu coração seria por dentro coberto de espelhos
de tamanhos diferentes e por todos os lados
mas espelhos
como o que ela salpica nas paredes das casas que mora
como os que ela transforma os vidros, as vitrines
os olhares dos meninos e meninas que suspiram
como o seu mundo espelhado distorcendo os sentidos.

Mas não.
seu coração era repleto de colagens de fotos
fotos de divas, de estranhos, de gente sensualmente despida.
Mas na maioria, fotos dela. Tantas caras dela olhando pra mim
me assustaram e me tranquilizaram, me fizeram chorar
(desses sentimentos dúbios: violência apaziguadora)
depois pensei que era esse o certo:
fossem espelhos eu me veria lá dentro.
Minha cara espepalhada por todos os cantos.

Muitos ambientes compunham seu vasto coração
algumas decorações ousadas
outras rabiscadas a carvão
outras escorridas com lágrimas
outras escondidas no porão.
(No porão não subo, não entro não
não sou tão intrépida, não sei subir
e mesmo aberto o alçapão
e tenho medo de me perder por lá)

Num canto todo pink-fetiche
bigodes colados, chicotes, altares profanados
alguns baseados fumados
cigarro, bebida, cheiro forte de channel no. 5
corações tatuados sangrentos abertos
doloridos, bolorentos: quase estive por lá
mas não entrei numas.

Espalhados cá e lá
fotos de boys-magia
e algumas macias meninas, mas sobretudo
meninos, homens, senhores, rapazes, moçoilos
lindos como um bom dia depois de uma noite consumada
não tinham espaços fixos, mal fixavam o olhar, mal eram vistos
e quando eram se exibiam: troféus de escolhidos
por mais que saibam do seu breve transitar.
Esses foram menos doloridos de contemplar

(Há espaços planejados
(esses são mais duros de ver)
futuros plasmados, já em planta e não edificados
mas que rezo pra saber,
e sei que saberei quando acontecer.)

Mas

Uma confortável poltrona, num espaço arejado
um sol batendo de leve, plantinhas floridas
as paredes claras, poesias espalhadas
alguma dor, muita conversa, nenhum apego
tive um ataque de riso ao entrar e ver
um pequeno palco microfonado
numa enorme cama desfeita
em lençóis de senhora
atraente, ainda quente,
misteriosa, dadivosa e conhecida
de noites viradas em descobertas
as cobertas espalhadas,
canetas pelo chão, gatos dormitando
almofadinhas, edredon, livros
e uma cafeteira eterna:
fui atraída pra lá e pensei que era esse mesmo o meu lugar
amplamente composto, confortável como um sonho antigo
aconchegante como ombros-travesseiros
amedrontador como pertencer a alguém
perfeito como só em corações abertos a visitação.
porque já não consigo mais
a poesia é urgente
porque acabou-se a coca cola
por que as pessoas me são estranhas
porque o amor se foi
faz-se urgente que eu escreva
porque já não creio mais
ou porque a crença me cegou
porque o dia nunca mais irá raiar sobre nós
ou o sol está por horas a pino
para que a lua não passe desapercebida
para que o sol não nasça por acaso
para que não amemos em vão
para que não partas meu coração
para que nunca partas
ou para que ardamos de amor
e nunca morramos
porque a revolução não virá a galope
e estamos cansados demais
para que saiamos dessa com sorte
ou para que nunca nos deixemos
para que a paz reine
mas não perante covardia
para que saibas o quanto te amei
ou para que nunca saibas
para que abafemos nossas vozes parcas
ou para que engrossemos o coro do amor
para que haja a felicidade
para louvarmos nossos bons homens mortos
e para que os vivos também sejam louvados
para redimirmos as mulheres
ou para que esqueçamos nossos ódios
porque é necessário e perene
ou por que é belo, fugaz e inútil
a poesia se faz urgente
e é necessário que eu cante

porque não televisionamos a iluminação de buda
e porque não sabemos se jesus tinha barba
porque poderemos explodir de dor
ou afundarmos nossas cabeças na morte
para que nunca nos afundemos
e para que possamos ir a fundo
para que o capitalismo acabe
e para que eu possa ter um ipad
um nike um puma uma mercedes
mas acima de tudo amor
para que todos possam exercer seus deveres
e usufruir de seus direitos e prazeres
para que iluminemos com calma
para que a felicidade reine
mas não em detrimento da ordem
para apenas ser incrível
e passível e possível
e para que nossa história sobreviva
e seja sempre rediviva

é necessário que eu escreva
e que eu cante,
que eu proteja a arte na minha vida
ainda que não tenha mais voz
nem paciência nem tempo
nem ânimo
nem porque
eu cantarei nos pântanos
nos plátanos, nos prados
e nas padarias
nos metros nas gaiolas
e ainda que eu morra por cantar
na passagem
ainda farei poesia.

Era dia e fazia frio.
Eu olhei pela janela e lá vinha ela
em sua motocicleta magia
e o passado não existia:
não haveria os pintassilgos mortos
jazendo no espaldar
ou ainda o passado existia
e era de glória:
meu irmãos eram sãos
minha carreira brilhante
meus pais eram eternamente jovens
e minha avó nunca morreria

eu pegava na sua mão como um ato sagrado
sua mão era fenda-cálice de ouro
suas costas pétalas rubras
sua boca de bom amor
transbordante e perene, construtor
voávamos não em pégasus inventados,
mas em motocas mágicas
e deixávamos rastros de calor nos azuis celestes
era azul também sua turbina
era solar a vida que se impunha
como complexa e vivível
como a única possível
por ser o certo apenas certo
e certamente por perto
nosso amor construído em concreto
a vida na cura na arte
no amor nas palavras corridas
escorridas e repintadas pelas paredes gastas do tempo
os dias não escoavam em melancolias
mas em pequenos frêmitos de felicidade
era sorver a calmaria dos ventos
era deixar-se passar sem doer
aplaudir o caos das mentes
e saber que finalmente venceríamos

mas eu ainda olhava pela janela
e ela ainda chegava em sua motoca devaneio
e o futuro se aproximava como um sonho bom
era uma lua no céu outonal,
era brilhante com uma aura-penugem
que a cobria com sua fuligem prateada
o dia o céu o sol brilhava
oblíquo, longínquo, alegre
nada mais temeríamos
nem os tais pintassilgos jazidos no espaldar
o amor não seria um ringue
e eu e ela não estaríamos a lutar
mas trançaríamos pernas e braços
numa dança lenta de se deixar
seus olhos me escavariam
suas mãos precisas me achariam
sempre que procurassem
e sempre me procurariam

mas eu ainda a esperava
montada em sua motocicleta lunar
a noite caia solene
e somente a lua se mantinha
intacta, forte, serena
era leve a brisa e constante
eu a olhava por um instante
e de mim ela não corria
cortante vento soprava
nada eu pedia ou dava
nós apenas existíamos
eu a olha-la da janela
ela pilotando a motocicleta
partiríamos numa caravela
lindas, sorridentes
prenhes de futuro amor e riso
como num sonho navegável
por ser preciso, infalível
e fazíamos isso só por que era impossível

minha musa multiplicada em estrelas
passei uma vida a procurá-la
agora passarei outra a tê-la.
porque o conteúdo seria denso
(caso eu resolvesse falar)
me calo
como,
não falo,
formulo na formalidade.
sintética, precária:
limpando a imensa fenda
da perda da batalha.

se fugiste do trono-coral
do meu mundo subaquático
desmuso-te, ex-musa
expulso-te do imaginário
se não aguentaste golfinhos
e sereias, profundidades poéticas
o lirismo incomedido
o amor sem hora certa
o arrebatar do verbo
a figura não-concreta
por que hei eu de gastar a verve
com quem não ama a poeta?

contenta-te com minha presença
pacata, emudecida, serena
perene e transmutadora
(que eu me virei sozinha
quando viraste as costas
e bem atriz (minha lilith encantadora),
me fiz
de
engolidora de sapos
administradora de micos,
enforcadora de vacas,
alisadora de gatos,
passando por buracos
vexames, exposição
que de nada valeram além
de uma bela lição)

então
monta no cavalo branco do teu príncipe encantado
e aguente ser só figurante do meu poético reinado.

(não que sofras: palavra é galgada do amor
e deste tipo não sei se cultivas, se semeias com ardor
ou se és aprendiz de rasuras, dessas de dar enjoo a divas
dessas que parecem tudo, mas que são coisa à toa:
estão na beira e não aprofundam,
no barco se perdem na proa)

não era melhor me calar?
fecho a boca com café
e volto pro meu lugar.

o coração bipartido afogado em marés estranhas
coração não compreende
infeliz mente
porque coração não tem mente,
coração não mente
só está
duas vezes ido
despreparado
desnutrido
duas vezes parido
repartido
reparado
retorcido

coração debate
se debate
sede bate
cede, bate
bate um dois três
pedindo auxílio:
numa garrafa irreal inscreve aflito
um socorro sofrido
em líquido vermelho vivo

lá de dentro do armário submarítimo
em oceanos siderais distantes
avista o olhar cósmico intrigante pungente, constante
(as enormes janelas de soslaio fingindo que se foram
mas ficaram e percorram o caminho dolorido da perda.
Mudaram por dentro, as janelas.
Cresceram? Transformaram-se)

na fresta perdida do coração rebelado
o coração já não sabe nada
e coração não sabe nadar
pra sair desse azul fechado
lúgubre lugar em que foi enfiado
enfiou-se por que não fia em si

ela, janela intrincada com paciência recolhe os cacos
do coração quebrado
com as precisas mãos de água
limpa lava, escolhe cada palavra.

tem paciência de janela e abre as comportas.
meu coração, em outra galáxia caixa-forte submarítima
guardado por louras ondinas agita descompassado
medo de ser tirado do seu repouso forçado
triste desolado amarrotado coração perdido
olha em volta e repara nos olhos-mãos
úmidas janelas, de precisas e conhecidas mãos
solenidade: aconchego afago entendimento perdão


o coração tem medo.


meu coração é matéria d´água é fluvioso marítimo coração
racha pedras com-paixão, funda valas, abre montes, nasce em outros cantos coração
mas está em descanso num armário, sem passagem marcada de volta forçada
sem tempo para sins e nãos,
coração não discute, resvala na goteira invertida coração
grita por misericórdia onde cór é decoração

me aguarda olhos-mãos?

me aconchega nas minhas má aguas, me dá tempo ao coração?
me envolve nas tuas quentes águas, me afaga em perdão
siamesa imitação, completude, tempestade, peixe-carneiro-leão?
os suspiros esperados aos poucos virão
eu me viro de lado, a procura de tua mão:
muda tudo, o contexto, com texto conteste ou não

ele já deu uma volta,
está disposto,
o coração.

poema para o o amor futuro

eu ainda não quero saber como vou te conhecer
ainda não
talvez até eu já te conheça
e só não saiba
que você é meu amor futuro

mas se eu puder escolher
eu prefiro que você chegue no inverno
para que eu gaste mais tempo tirando sua roupa
para que eu tente ver sua nuca por entre o cachecol
para que seu perfume dure mais no meu corpo
para que você queira dormir de conchinha comigo
para eu poder esquentar seus pés gelados
para que a intimidade venha aos poucos e reconhecível
para que você não enjoe rápido da minha pisada torta
ou de como eu reclamo do caimento das saias.

eu posso gostar da sua voz primeiro
do jeito que você pega num livro
eu posso gostar primeiro da sua mão
ou de um jeito de sorrir meio de lado
do jeito que você arruma o talher antes de comer
das coisas que você lê
(será que você vai gostar de Hilda?)
você pode ser bonita, você pode ser linda.
mas isso não precisa ser a primeira coisa
eu prefiro te achar bonita aos poucos
por essas pequenas coisas
que eu vou descobrir cada dia um pouquinho
ao longos dos anos que vamos passar juntas
eu e você

eu quero passar várias noites em claro
conhecendo o seu corpo
seu jeito de se mexer
de me pedir água e depois
de espreguiçar e jogar o corpo em mim
de reclamar que eu me espalho na cama
como se fosse tudo tão novo, de novo
mesmo eu eu já tenha visto de tudo:
como se eu e você tivéssemos acabado de nascer
e estivéssemos inaugurando as tradições.

quero vários dias conversando com a mesa ainda posta
e muitas férias sem rumo
de bicicleta pela Europa
pela orla Copacabana ou pelo Minhocão:
porque vai me importar menos a paisagem do que estar na sua companhia.
(será que você vai de bicicleta? Ou de patins?)
então eu espero que você ache isso bom.
quero te mostrar o parque da minha infância
onde eu caí e fiz essa cicatriz
as ruínas da minha antiga escola,
a casa onde nasci, o banco que dei o primeiro beijo
os meus lugares santificados,
e quero conhecer os seus como um jeito de te conhecer
conhecer seus recortes, seus trajetos, seus horários.

eu quero fazer programas furados com você
só pra depois poder rir de como a gente não percebeu
que ia ser um programa furado
num dos cafés da manhã eternos que vamos tomar juntas.
eu sei que você vai gostar (você tem que gostar)
de esperar o almoço na cozinha conversando comigo.
seria muito bom que você cantasse pra mim
enquanto eu cozinho seu prato preferido
(que vai mudar de tempos em tempos)
ou que tocasse um instrumento
ou colocasse musica e dançasse pra mim

eu quero que você fique de mau humor às vezes
(porque eu fico bastante de mau humor)
aí eu vou poder inventar truques pra melhorar seu humor:
fazer malabarismos pra você rir quando eu deixar cair tudo no chão
imitar aquela sua tia engraçada que conheci no natal com a sua família
fazer uma dancinha como o pato donald e a margarida ou ula-ula com o espanador
tirar o som da tv e dublar as falas da kate e do jim no filme que a gente adora
pra você rir de tudo e eu poder dizer: isso também vai passar
enquanto te faço cafuné deitada no edredon cheio de mini travesseiros
(porque você vai gostar dos meus travesseirinhos)
porque sabemos que tudo vai passar mesmo
até nós duas
(mas isso eu não quero pensar agora)

e você sempre rirá dos meus gracejos
e do meu jeito estabanado de deixar as coisas bem de novo
com uma piada boba e uma voltinha
e nunca vai se irritar por coisas que não merecem atenção
as contas a pagar, o óleo do carro, a faxineira que não veio, o aumento do gás
serão coisas menores: do tamanho que elas tem, de cotidiano.
e vai ter um jeito só seu
(que eu ainda não sei, porque é só seu)
de me fazer rir de mim mesma, quando eu não estiver conseguindo.

eu quero te mostrar como o sol bate oblíquo
nas manhãs azuladas de outono
de como ele entra e lambe a parede do meu quarto
por entre a veneziana
e ilumina o beijo do klimt
(eu sei que você vai amar o sol)
e quero que você me mostre aquela foto da sua adolescência
que você esconde de todo mundo,
aquela com corte de cabelo de gosto duvidoso e ombreiras

eu quero dizer eu te amo de muitas maneiras
até das maneiras óbvias, assim: eu te amo
e das menos óbvias,
como lavar a sua louça no frio
ou regar as suas plantas
ou deixar post-its pela casa com fragmentos de poesia
ou levar seu cachorro pra passear e chamar ele de "filho"
(será que você vai ter cachorro? ou gato? ou os dois, como eu?)
e você vai aceitar meu amor eterno,
leal, compassível, entregue: como um rio
pequeno em sua nascente que se avoluma,
molda paisagens e se lança ao mar serenamente.

eu sempre vou levantar antes de você
(eu sempre levanto antes de todo mundo)
fazer um café e trazer na cama,
(será que você vai gostar de café tanto quanto eu?)
depois de te deixar dormir mais um pouquinho
e ficar observando como você dorme bonitinho.
eu vou gostar do cheiro do seu pescoço ao acordar
e você vai querer acordar comigo todos os dias.
talvez eu leia e você prefira ver tevê
ou então eu vejo aquele programa
sobre o santo sudário com você
sabe? aquele programa que só eu e você gostamos de ver

eu vou te contar minhas virtudes,
mas os defeitos você mesma vai perceber,
porque eu não sou boa nessa parte de fingir
e eu vou conhecer cada mania boba que você tem
e umas coisas que vão me irritar
mas depois de um tempo
eu e você vamos nos amar por causa dessas coisas
e não mais apesar delas.

eu vou te mostrar todo dia as suas virtudes
eu vou te fazer um elogio por dia
(e nunca vai faltar palavra pra te elogiar)
mesmo que seja só:
a luz do jeito que bate no teu cabelo faz um reflexo lindo
ou
gosto quando você começa a sorrir primeiro com os olhos
ou
aquela música que você colocou ontem foi como um cafuné
ou
fiz seu prato preferido, amor.

será que você virá inesperadamente?
num dia em que tudo deu errado, e eu te encontro de repente?
será que você virá num dia pacato?
será que eu vou saber que é você na hora?
ou vou perceber como passar dos dias?
será que você vai gostar de discutir azulejos?
e a posição do sofá? dos meus desenhos pelas paredes?
da lista de músicas que eu fiz pra te mostrar
enquanto espero você chegar?

eu nunca vou querer que você me salve de nada
(nem da falta que você já me faz antes mesmo de chegar)
porque agora eu não tenho mais medo
não tenho medo nem de que você não venha.



eu quereria ser poeta de vidas
deixar felizes os miseráveis
dar abrigo aos que tem frio
dar amor aos que tem asas

mas calhou de eu ser assim
enfática e peremptória
(dada ao apocalipse)
e toda vez que me apocalipso
como um lilás intenso
já me perco noutro sonho
já me contextualizo na história
e se o futuro já é passado
se o presente é pura glória,
me lanço no espaço tempo
entrego coração peito e verbo
a minha e a tua memória.

Por que não pudeste, amor
abrigar me em seu peito
e dar guarida?

estavas tão aflita
corrias de mim
e eu assim, com um buquê de palavras nas mãos
as palavras mais belas recolhidas
entre ossos velhos e velhas minas
entre escombros de ruínas
entre meus olhos em encanto

mas não querias os meus verbos
querias perfeição
e eu te oferecia abismos

(era só o que eu tinha para oferecer-te
então
abismo e trovão)

e agora,
que o outono se abre em pranto
e tenho nas mãos esse lirismo
é tu quem me oferece abismos
e eu aceito portanto

pega o tal buquê
são teus
são tão teus os poemas
quanto os dias
quanto o pranto
eu me recolho com os meus
e me reinvento
de novo
renasço
no meu canto.
É fato:
há entre eu
e quem eu amo
quilômetros.
e eles me doem
na tarde fria

faz sol.
mas o entardecer
promete frio
(me agasalho de tristezas)

porque tudo cheira a morte?
se amor é redivivo e se reinventa
se o amor ainda tenta
e teima em me assolar
me avassala
por mais que eu diga:
vai embora amor,
me deixa respirar
para de sufocar

"não me arrebatou"
há que se aceitar

nunca pôde a poesia abrir um peito a força ainda que se esforce

aqui há um tórax
de onde o coração
acabou de partir
e partido foi
além
mar-estelar de mim
guardar-se para não me ferir

meu coração tem mais sóis que eu

não há mais lágrimas:
tudo foi sentido
e sem sentido
perdi tudo
e agora perdi tu

mas não me queixo do amor:
tive poesia e esta durou
agora é só o coração só
que busca,
sentido,
no caminho eterno que restou.

será que era eu aquele pardalzinho suicida
em vôo cego no teu mar?


se achares este jeito
de dormir pra sempre
leva-me junto no teu sono?
eleva-me
sonha comigo e habita
minha noite, intacta
como na memória dos pardaizinhos

um sonho em brumas
onde eu possa amar-te em paz
e mais
tu cavalgarias num pégasus lilás
e eu num beija-flor arco íris
e eu viria a teu encontro
ao ires

colheríamos flores
bromélias e acalantos
nunca mais haveria pranto
e só sorriríamos
isso num nunca acordar
num para sempre adormecido
ao teu lado
rente a um rio
que nunca cessaria
de correr para o mar

tomaríamos com golfinhos
longos banhos
(e os botos também participariam)
depois nos levariam
pra perto dos tritões e ondinas
desejaríamos nunca de lá sair
e que nunca raiasse o dia

(também nunca ninguém saberia
nosso intrincado segredo:
de que te desejo para além do tempo
e que és um presente momento)

e mesmo assim
quando o sol insistisse em romper os céus
nós ainda em profundo sono
nos abracaríamos em sonho
e nunca morreríamos.
A coisa-poema
deu-se como num dia de sol muito forte
em que ardem os olhos e os poros
de eu te amar num instante-conectado à eternidade
enquanto sol batia forte em suas costas
lambendo cabelos&peles no contra luz
desenhando a aura-anjo-contorno-brilhante tatuado na minha retina
Você ria de algo muito bobo, como um trocadilho
e o riso completava o quadro
por tudo, onde o passado não existe
onde não existe medo nem futuro
onde tudo ainda é potência
amei-te e amo
esperando que o sol se ponha solene
como em antigas falésias.
Tudo leve, tudo macio
tudo lívido, tudo vívido
por tudo vivido
já vale um dia ao sol.
pequeno poema respiração:

(se eu pudesse eu dizia, e
isso é o coração querendo
o que os dias dizem não)

abre um vácuo no tempo e retoma
retorna
me acha aí dentro
procura
não me perde
não deixa
que o tempo
a vida
as coisas
empaquem
abandonem
destruam

o que era quase amor?

ou o quase era maior
que no estilhaço sufocou?

então abre o vácuo tempo
acha a brecha temporal
e me mete aí dentro
(que o resto se resolve:
tudo que ficou suspenso
os dias os tempo a distância
os outros o julgo o silêncio)

acha uma ilha no seu peito
me deita lá com livros
cães e gatos e café
e me visita no entardecer
que te faço rir um pouco
que te deito nos meus braços
e fico comentando os filmes
(não,isso eu nunca mais faço)

eu sei fazer de novo
eu posso ainda fazer
mas
eu posso também
só deixar escorrer.
tenho uns nojos de mim
tenho assim
medos de mim
tenho umas partes escuras sim
escusas sombras de mim

e quando olho falo penso ajo assim
com nãos querendo dizer sins
eu reajo mal.
eu reajo, meu bem e mal enfim
eu reajo com nojo de mim.

e se reativa for a dor no fim
que ela pare na sombra
que ela caiba em mim
pra que assim
mesmo o nojo, a feiúra,
o que me é nocivo e ruim
pare em mim
não movendo a roda kármica
me te libertando enfim
mesmo fora
mesmo longe
e mesmo assim
íntegra,
sem medo do fim.

dentro de uma caixinha.

a caixinha dentro de uma outra maior.

essa outra trancafiada
com cadeado de um segredo.

(o segredo eu só contei pra uma sereia
que mora num além mar esquecido
e depois também eu esqueci)

isso tudo num pote, fechado a vácuo
(de ilusão)
com babadinhos retrô.

o pote está guardado
dentro de um armário
de madeira de lei
(com ornamentos na porta
e lindos puxadores de latão).

o armário no sótão trancado
de uma mansão de mil quartos
com lindos afrescos nas paredes
(contando histórias de animais sonhados
de travesseiros que são pontas,
de flores inventadas,
pirulitos e beija flores)

a mansão é uma ruína sub-marítima
(que ainda não foi encontrada
por nenhum escafandrista
mas amplamente visitada
por ondinas e nereidas)
fortemente guardada
por um furioso tritão.

essa ruína fica num mar longíquo
(e muito bonito
onde a luz bate violeta
cor de transformação.)

mar de um planeta ainda não descoberto.

de uma outra galáxia espiralada

tão longe tão longe tão longe

que só se chega, se se vai
com sonhos mais puros na mão.

é aí
que a partir de agora
protegido de roubos abruptos

meti

meu coração.




Chamo-me agora tufão
E dessa diminuta altura conclamo os ventos
Dos raios, sou o trovão barulhento
Fúria varrendo os mares
Onde dantes repousava meu corpo
Onda era meu corpo, o olhar
é sangue-som a ventar
Balanço, onda, marejar
Corro por entre a noite sem luar.

Pois sou em diante vento
Éter estelar
Ventania cósmica, queima-pulsar
Asteróide, palavra, brisa,
farfalhar
de riso e pranto no meu cantar

Sou aquela que sacode
balança, faz quebrar
Transmuta, transforma, faz estancar
arrepia na coluna
quebra pilar, abala a estrutura logo ao chegar
Espalha o que não é firme no ar

Se são ventos de boas novas
Que trago ao passar
Só os que forem comigo poderão julgar:
é por detrás das minhas asas
que me mantenho no ar
se ousar me querer,
se quiser me ter,
vai ter que agüentar.

De não fazer planos futuros
Me refundei
De assim
me olhar em espelhos retorcidos para mim
rir de mim.
Devagar, assim.

De não fazer planos futuros
já construí miríades de lares
em outros lugares
dentro de mim.

(Cada vez que me deixares
sairá um poema?
E se forem muitos
pena
vais deixar-me mesmo assim)

de não fazer planos futuros
foi meu coração além:
construí planos eternos, meu bem
(se é que eternidade pode ser leve
porque se nunca termina e nunca principia
fica suspensa no girar da roda da vida
espaço-tempo redesenhado pelo amor)

Não tenho medo de usar essas palavras
eu fui lá e vi o que era!
Era amor, com essas letras
como ele se manifesta é o que veremos
é a aventura.
É Ítaca longínqua nunca chegando
apesar de estarmos à sua procura.

Escrevo poemas então
para quando chegares
para quando partires
para teus acordares
E rires.
E quando esgotar o lirismo

Se é que um dia finda
como é eternidade
Seja o que for
Te amarei ainda.

O passado dói na ossadura
Meus ossos doem na sombra do passado
Osso é da sombra
Nunca canto de luz
não resolve.

Dói só dói
quando eu esqueço
que ossatura é estrutura
se o osso dói
e se só dói
seu amor corroeu
eu liberto
e ele já se foi.
Por que não podemos sentar nós dois, meu ex-amor
Aos pés um do outro e chorarmos
Olharmos os olhos tristes da despedida
e perceber: que a vida transformou nossas vidas?
Deixar correr o fado e o fardo da vida a dois
dura de dor na sombra, deixar que o sol entre e ilumine:
que a ruína proclamada se desfaça em reconstrução
você num outro dia, proclame belezas e não durezas
e eu parta pro meu futuro - em talvez - outras paragens
Choremos, meu ex-amor, pois é hora
e sabíamos nas entrelinhas que eu partiria.


A partida foi perdida.