A verdade é não sei o que fazer
com essa pele de mamute que vesti.
Não sei despi-la e não sei usá-la.
Só o que sei  é me enredar em seu particular novelo de especificidades.
Só sei me aconchegar em seus vastos longos pelos
e cantar a velha milonga dos paquidermes antes de dormir.
A pele de mamute escava-me os ossos, as lágrimas, os dias.
O mamute já se foi
e deixou-me essa herança morta.
dobro-a, escondo de estranhos
mas qualquer um que penetre a casa
já antevê o couro corroendo
cobrindo os móveis mais delicados.
É ainda mais terrível quando anoitece
e a pele recorda seus dias de glória
no lombo das manadas furiosas
e então me debato amedrontada
e tenho pesadelos.
A pele de mamute anda gasta
poída, doída, tripartida.
mas se não sei mais usá-la
não soube nunca tirá-la
só sei amá-la, pois me aquece no inverno;
e odiá-la o mesmo tanto
quando rompe a primavera.
Ela tem seus motivos
Suas hélices-espirais

E eu apenas finjo me surpreender
com seu silêncio
programático
denso
(louco para ser quebrado por abraços)
porém
quando há braços
o que responde é o desdém
é desaconchego
é dureza pronta ao grito
eu me movo com almofadas nos joelhos
num chão onde derramaram verbos nus
(verbos devem sempre ser trajados
caso contrário, ultrajam)

não me zango
só arrefeço.

volto meus braços a mim
e não permito que palavra mal dita
me atinja
no mais
coração pulsa de vermelho
tinge lençóis.
choro, feita de água que sou
balanço, feita de vento
e ardo, feito pira
eternamente reluzente
constantemente retumbante.

E o mundo, nada tem com isso:
a primavera vem, ainda assim
e por que é assim
que assim seja
e eu agradeço que venha.

ama-me
com a placidez dos pássaros
em vôo rasante sobre o oceano
ama-me
como se os dias nunca findassem em abismos
como se eu nunca anoitecesse em pranto
ama-me
como se a vida fosse mesmo um suceder de sonhos desfolhados
como se pudesses ir ao mar catar crisântemos
como se nunca doesse nascer
ama-me
e só
ama-me
e olha minhas rugas com altivez dos jovens e sabedoria dos maduros
e olha meus tropeços como se fossem uma dança linda e intencional
ama-me
e permanece comigo mesmo quando não parecer crível
por que estou com fitas demais amarradas aos pés
por que sofro por formigas e ritmos
ou por que gostaria sempre de dormir mais cedo
ama-me
enquanto for possível suportar a aurora
e quando a noite se fizer necessária ao riso
e quando não tiveres mais força para abrir as portas e janelas das almas
e quando a herança dos flagelos tiver esgotado sua fúria
e quando eu for livre para roubar-lhe um beijo insone
e quando quiseres rir-se de mim
por ser brutalmente estúpida
ama-me
nos porquês e não nos apesares
nas levezas
ama-me
sem avareza?
e joga-me em tua carne reluzente?
ama-me
que recobro de forças
para te amar pra sempre.