Canto de Despedida


Das coisas que sentirei saudades

(imagino eu nos partires)

um sorriso que começa de lado
poesias em papéis picados
meus gatos e cães os afagos
a casa do guará
cafés em manhãs ensolaradas
e muito barulho ao despertar

miquinhos em dedos contados
dancinhas prá não brigar
olhares envesgados
(que procuro sempre em outro olhar)
piadas fora de hora
hora prá acordar

a dor de partir e repartir
a dor de recomeçar
a felicidade de ver mudar
o amor se transformar

meu queixo em teu ombro apoiado
teu doce iniciar
a crença repartida
o caminho a trilhar

crochê em tardes perdidas
um domingo prá se entendiar
as mudanças da minha vida
você para me explicar

aventura nunca esquecida
você nunca saiu da minha vida
fui eu que vi o amor mudar.
Emito aqui um pedido de socorro
os que ouvirem este chamado, por favor tragam longas enxadas com que me desterrem e, com gentileza, achem meus sonhos. Há muita terra neles. E pó. E barros, pedaços de concreto das casas caídas, túneis despedaçados de tempo, deuses mortos, avareza, animais de estimação atropelados e envenenados. Há mortos. Há mofo e folhas secas. Há invernos, e por aqui nunca amanhece. Há um tanto de egoísmo, há fingimentos e há luxúria rondando as orelhas. Há neblina e pouca luz. Há bruma. Há sombra. Há vermes atentos prontos para devorar o que vier pela frente. Há pedaços de gente.
Os que vierem, por favor tragam pás, garfos, tridentes, e removam de mim o que julgo ser eu mesma. Removam o que eu julgo. Re-movam-me daqui. Venham num motim de amor e luz e alegria e tragam tochas. Por favor, tragam tochas. E lanternas. E algo com que atear fogo nas minhas ventas. Façam tudo sem que me dêem tempo de pensar: nesse átimo novamente preparo um engodo. Minha mente pérfida não se acostuma a alegria. Tragam também espadas para que cortemos as cabeças e os vícios. Se os meus não rolarem, por favor chutem-os pelas ladeiras íngremes do meu caminhar. Sem dó: eles me servem de muito pouco agora. Tragam grandes caixas, para que se removam as facas da minha afiada língua-pedra, do meu sarcasmo arguto, da minha mente-máquina-de-dolorir-machucar. Tragam pentes para pentear minhas lembranças de um tempo em que tudo era mais leve mais fácil e mais doce.
Mandem os vagalumes na frente, quem sabe o seu tilintar de luz me distraia e eu não me afugente. Mandem os cachorros e os gatos: eles sempre me acalmam. Peçam que eles se deitem tranqüilos aos meus pés e que seu ronronar me encante, apazígüe, refrigere minha alma borbulhenta.
Tragam terra nova para preencher o buraco deixado pelas ruínas. Que as beiradas de mim, as brechas de caos, os olhares perdidos, a dúvida, o receio e o horror possam servir pelo menos de adubo das flores d´alma. Tragam folhagens vistosas, que espantem os transeuntes perdidos. Tragam abetos para quando for novamente natal, para que eu de novo desperte por entre os papéis rasgados as pressas e que eu contemple os presentes do meu pai.
Tragam as orquídeas, e que elas possam novamente se enrolar em meus braços-tronco. Tragam todas as flores e as plumas e os brilhos que couberem nas mãos. Quando se fartarem, espalhem por aí para que possam também colorir o dia.
Venham todos que puderem, e chamem também os caçadores de borboletas: elas fugiram de mim, com razão, quando sentiram o primeiro lamber das labaredas do meu ódio de mim. Chamem os encantadores de animais, os músicos, os pródigos, os belos e inúteis, os felizes, os hedonistas, os artistas. Chamem o minotauro de creta, chamem o próprio labirinto e que ele suplante minhas idas e vindas. Que ao andar por ele eu me encontre.
Quando todos vierem, me convidem para festa.
Se eu não aceitar, me obriguem.
Me dêem do bom vinho, me façam cantar e dançar. Me relembrem que sou alegre, que já fui a própria alegria, que sou caçador e borboleta, artista e bacante, senhora de mim, das minhas horas, entregues ao deleite de estar contemplando o mistério.

O diabo veste Prada, é verdade. E usa channel no. 5. Tem olhos lindos, o diabo,uma boca perfeita e um nariz mais lapidado que nariz de santo. Tem cheiro certo,o diabo e te come muito bem. O diabo é arrebatador, o diabo não tenta, não, ele consegue. Ou ainda: o diabo é feio, é horroroso, todo mundo vê, mas faz você achar que não é tão feio quanto pintam, só para você pagar mico.

O diabo se parece com você.

Parece que chega do nada, mas já tava te rondando faz tempo. Ele vem e te olha tão fundo que você não vê problema em mostrar sua alma. E quando ele vê a sua alma ali, na batalha pela luz, ele, o diabo, se apaixona. O diabo entrega a vida a você, e você aceita sem perceber que é você que tá entregando a alma pra ele. O coitado do diabo, se apaixona e sabe que vai perder, por que ele também trabalha pro cara lá, sabe? O diabo é Lúcifer, o portador da luz. O diabo, apaixonado, faz tudo por você. Larga tudo: filho avó marido amante e foge com você pro nordeste, vai viver de brisa. Diz que é por você. E você se apaixona por ele. Você faz juras de amor ao diabo e quando parece que não tem mais volta, quando você já começou a envolver a herança da família, deixou também seus amigos, seus livros, suas riquezas, sua vergonha, o diabo começa a endiabrar-se. Ele te testa, te mede, te mostra um espelho e você se vê inteira, a sua parte sombra, feia, feia que nem com pintura resolve. O diabo vira tudo do avesso, se revira. E pra sair dessa que você se meteu, você que se vire.

eu toda torta andando na chuva
eu toda torta andando
eu toda torta
eu toda
e toda hora eu

cansada demais
das demandas emocionais

será que esse povo não vê o quando é chato
ficar rodando 
no umbigo dos eus sombrios
deixar se levar na vazão das águas
ficar louca lotada das mágoas

eu
sigo
como consigo
andando toda torta nas águas
(boas ou mágoas)
de uma ácida são paulo

vai ver que a tortura que é o correto
vai ver que essa quadratura 
é o meu reto

vai ver que o que 
tudo isso,
correto, reto, certo
é simplesmente 
o meu na reta.


Daqui contemplo por cima da falésia
O despenhadeiro donde me precipitei:
Lá está meu corpo estilhaçado no chão
Ao lado, quieto e fracamente pulsante
meu despedaçado coração.

Daqui pode haver bruma
névoa cortina de ilusão:
será que posso ter me enganado tanto
que o próximo passo também é em vão?

Se eu amo ou não
Se é desejo
Se é só paixão
Se é amor o que
num arroubo de emoção
Deixa que me ataque o meu (já tão frágil) coração
Com ponta pedra faca açoite adaga mão
da palavra jogada num caos hormonal
de inação
de impossibilitação
de ponta machado
de nãos.


Olha em volta: respira
mira seu corpo no chão
levanta do turbilhão caótico
Me dá a mão?

Amor!
não me entrega ao precipício
não me tira a razão
Ajuda-me a sair do caos-coração-estilhaço
Não me empurra de volta ao chão!

O corpo continua
derramado no turbilhão
como me levanto
de tamanha decepção?
(comigo com o mundo não)

Fico aqui
em busca da minha mão
que retira da névoa bruma véu da ilusão
e mostre enfim os dias de sim
e que eu contemple serena os dias de não.

(em 18/06 revisto por fora da névoa)
cabeça dum turbilhão tempo nem vê responde:
a única certeza é o findar dos dias num balançar lento.

deusdocéu deve ser um trânsito louco de planetas estrelas ou carros numa espiral galáctica qualquer. em qualquer lugar do mundo deve existir um alguém igual a mim mas não tão igual que me cause medo e me faça chorar. um igual assim de encaixe, de completude, de liberdade.

continuo com frio.
Brrrrrrr! ai que frio e que falta de ar, falta de mim, falta de tudo.
dói dói dói, dói tanto que perco as estribeiras, que me perco pelas beiras.
não quero essa de vaidade: não há vaidade no luto, nem na luta, há na lida: não lido, não sei como me posicionar tomo broncas monumentais e choro feito criança querendo o que é meu.
porque eu quero quero quero e quero cada vez mais. não há vontade que aplaque o meu querer. sou egóica.
olho meus erros. e ela? tá olhando os dela?
eu quero tanto, mas nada é meu, nada.
tudo pertence ao mistério e a gente só participa disso pra ver como se porta, como se comporta.
e eu to dando show de lágrima.
tudo é pela transformação sagrada de eterno devir, de ir e vir, de nunca partir, só participar.
eu to a par, a par de, a parte de tudo, quando meu ego preferia ser ímpar.
queria se só eu só eu e só eu.
To descolada da alma e comprar um carro funde os dois.
as duas. as diferentes luas: dois bicho de fogo e se comigo é fogo, com ela é incandescência. indecência. me dando e mudando de marcha pela faria lima. faria tudo de novo, faria, faremos?

o amor me salva de quem não quero ser,: transforma o que sou,
mas será que você vem comigo.

vem?
Cruzei uma linha tênue
dolorida de descaso
a dor saqueia meu ar:
tudo é perplexo de medo
revolve por dentro
a efeméride de 19 dias:
como pode trazer o tempo
a certeza do que é eterno?
Tudo guiado por risos estalados
de deslumbre e por hormônios a flor da pele?
Balança a vontade do junto de mim
a aspereza dos meus arredores?
Perdão, amor
perdoa-me por não ser pura luz cintilante de ti
perdoa
por também as vezes calar-me
por também as vezes chorar
por saber-me mortal, pecadora.
Perdoa.
Que eu aqui
frente aos restos da noite boa
deixo que o pranto corra e que tudo doa.
Limpando-me da insegurança,
deixando que a dor escoa.
Para que na hora de ver-te
eu seja risos e bocas
limpa de dor
só te ame
seja só amor.
dorme dentro de mim um dragão
vastas escamas em chumbo
olhos amarelos em risco
reptilianas asas:

quando acordo esse moço
me olha com olhos embaciados
me sacudo leve de mim
para não despertá-lo

quando devoro,
ele de ventas flamejantes
morde nucas, prende o ar
faz cena de ninar
faz comentários bobos ao meu ouvido

qdo durmo ele acorda:
caminha pelo breu noturno
é notívago meu dragão
sobrevoa a cidade a procura
de aplacar minha solidão

mas ai!
se encontra o dragão
uma alma perdida
um gêmeo desamparado
um filhote esquecido no beco
o traz o dragão à casa e lhe dá de mamar

de tanto peregrinar o dragão
esconde amores pelos armários
finjo que não percebo
quando eles ronronam na noite.

por vezes na insalubre busca
ele me persegue também:
estou eu à deriva na rua
em consonante busca de alguém

quem sabe um dia, por pena
o dragão me traga ao meu quarto
e me trancafie no armário abarrotado de impossibilidades.

ficaria eu trancada em mim
e o dragão à solta
livre para salvar
as almas dos peregrinos.
(me engaveto em palavras pomposas
só prá dizer
ando tão só
que nem eu me suporto)
me movo
na fenda da solidão inperscrutável
bailarina dionisíaca
extasiada de mim

(ouvindo músicas bobas que lembram nenhuma presença)

entre as beiradas
sapatilha a mão
e o tal tal tempo
a girar lento
na outra

se estivesses aqui, senhor
ah, se já tivesses retornado!
nesse gira-gira eterno
nesse aqui cadafalso
se já tivesses rompido
sob o signo de fogo
da minha penelopica espera

(onde estás que nunca ouve meus clamores?)

se já tivesses aceito
o desafio de me viver
se já tivesses
ah!

romperia pela casa no barulho celeste da sua presença
eu, em júbilo
bailarina extasiante
dioníso
sapatilhas a mão
e o tal tal tempo
girando lento.

não é verdade que as estrelas brilham em paz.

é a distância que faz com que acreditem nisso.

eu, que as vejo por dentro;

sei o quanto dói arder pelo infinito.

eu queria te dizer isso
aqui
o mais perto possível de deus,
ao pé do teu ouvido,
à sombra das galáxias cintilantes

talvez eu te diga isso
e
talvez seja estranho
e
talvez você se espante
aqui
quase longe
à sombra das galáxias cintilantes

é assim (e que assim seja)
doravante
de hoje em diante
não há mais dor nem mal nem medo
e
nem desejo
aqui distante
ao pé do teu ouvido
à sombra das galáxias cintilantes.
De volta ao cotidiano, ela olhava pela janela do avião avistando a grande metrópole a frente, abaixo, pelos lados. A direita o pôr do sol galáctico, de milênios de um planeta às vésperas de uma nova era. Em frente, a frente, do lado, ao lado, por fora, ao redor: a cidade iluminada, no longe-perto da escuridão da noite decantada.
O mundo ainda roda-vibrava e balançava no coração acostumado ao rio, como se fosse o rio o mundo, o escuro das águas as sombras-luzes das profundezas dos mistérios. As histórias, lendas, boatos, dizeres amazônicos impreganados de futuro e prenhes de presente na pele lambuzada do rio cor-de-chá.
Tonta, respirando forte prá conter o desespero do deslumbre de ser-fazer história, procura nos desenhos da cidade-luminária vestígios do imaginário selvático, como se fosse a cidade espelho de futuras constelações nos céus das eras vindouras.
Viu no desenho longínquo, pontos de luz que lembram a flecha-chave de um índio, conduzindo a nova era. As icamiabas, translúcidas como a aurora, oferecendo seus muiraquitãs ao grupo dos 64 iniciados com impecáveis mantos, flutuando com seu canto coral no galope dos tambores sagrados, anunciado pelo toque dos berrantes de longínquos ritos dionisíacos. No sem tempo do átimo-segundo que o translumbre durou, viu o transferir-se de eras do planeta bonito que anoitecia, nascia para o tempo novo que chegou.
Sorriu, como sorriem aqueles que viveram os mistérios – que têm esse nome por que assim o são – e notou que as luzes se aproximavam, e a cidade se desenhava a sua frente.
A cinza cidade era a realidade que deixara a há 7 dias-milênios e agora regressava, talvez menos gris pois dentro dela tudo recoloria. A certeza do novo tempo acalentava o estrondo do chegar.
Em terra, a viagem mítica finda.
Que a nova era seja bem-vinda!