Fui te abandonando aos poucos, coração
primeiro me livrei de toda a ternura
porque olhavas tanto pra tua própria lua
que obscurecias minhas passagens pela rua
nada do que eu dizia fazia sentido
e tão sentido coração ficava quando fazia
que tu, coração repartido
por um esgar de sonho te ressentias

depois abandonei os sonhos futuros
porque sempre foram sonhos inseguros
comecei em volta construir os muros
que agora te seguram, coração caído
e tu, coração, no escuro apalpavas
tentavas, roías, brotavas
e os muros, que dantes te protegiam
agora te prendem ao que te cercava

com o tempo também a memória
de ti ,coração, foi olvidada
apartada como um trecho da história
que outros viviam e eu só recontava
e enquanto, coração, eu me inundava de poesia
e a poesia de mim transbordava
tu a mim coração te agarravas
pra ver se nunca mais tu partirias

e partido foste embora coração
expulso da caixa tórax que te sustentava
agora andas errante pelas luas
que por hora te servem de morada
e quando for lua nova, coração partido
e tudo estiver escuro por completo
te espero, meu amor cingido
e que o céu te seja um bom teto

e do que ainda resta de memória
coração, que só guardes de mim afeto
que se emancipei do peito tua saída
não foi por não te querer por perto
mas porque havia de abrir espaço,
coração meu, no meu peito manifesto
pra esse lirismo que me acometeu
e eu aceitei, coração, sem protesto
quando é inverno na lagoa dos fatos
eu me tranco em silêncio de calabouços que invento
e mesmo se não há vento
aprendo a falar cada vez menos
sobre a lagoa
sobre os fatos
sobre o que avento
sobre o que se passa de fato

pois os fatos
dentro e agora
na lagoa
são afogados em inverno
mesmo quando é verão lá fora
e a chuva cobre o céu
e porque há chuva sobre o céu
com seu cinza fátuo
não consigo antever nada
por entre os fatos.
Comecei a escrever aquele texto triste

talvez não seja triste ou não tão triste
quanto deveria ser um texto sobre eu e você
talvez só seja assim, melancólico
com medo do sofrimento
que viria, e veio devagar
começa assim de repente
meio no meio de uma tarde chuvosa e com enchente
depois tem um espaço onde cabe o silêncio
e por onde podem escorrer umas lágrimas
não tem fluxo o texto
começa de supetão
e para um tempão num vácuo
depois fica bonito a beça
eu falo de cores que eu conheço e queria te contar
conto de coisas que vi e vivi
e te faço convites incríveis
descrições inimagináveis de lugares em que estive sozinha
falo de montanhas que são ondas, deuses hindus, mitologias inventadas
animais fantasiosos, deuses pagãos, sagas heróicas,
dançarinas de vários braços, de um homem com três bocas cantantes
do dia em que o capeta me paquerou
e de como os deuses as vezes descem a terra e brincam com a gente
conto quase tudo de impensável
e nessa parte eu te impressiono.
Depois vai ficando mais cafona,
porque meu repertório não é tão bom assim.
Mais pra frente fica triste e bonito de novo.
Eu vou dizendo que te amo de vários jeitos
primeiro clichês e mais pra frente novos,
que nem aquele dia
que eu disse eu te amo só com o olho,
no meio de uma frase e você não esperava
(porque eu passei grande parte da nossa história
inventando jeitos diferentes de dizer eu te amo
então nada mais justo do que colocar isso naquele texto)
Coloco um mar no meio, pra deixar mais água
e nessa hora fica feio, um pouco infantil
eu me fragilizo muito e digo
que foi tudo culpa minha
como se a culpa existisse mesmo e eu acreditasse nisso
mas é só pra você se impressionar de novo
e ficar mais um pouco do meu lado.
Mas nem assim adianta
você parte mesmo assim
e talvez até por causa disso
(no final dos meus textos você sempre vai embora)
mas aí no texto eu minto
dizendo te dei um mais beijo
e disse tchau com muita dignidade
(e não chorei nem fiquei aflita
nem me joguei no chão
e quis tomar formicida)
ou talvez eu coloque uma piada
não sei, eu ainda não terminei o texto.
Mas acho que no fim
eu saio com uma desculpa esfarrapada
dizendo por exemplo
que eu ainda não terminei .
fenda lua cálice
marfim fogo trevoso
calo-me
diante a possibilidade
(morro um pouco a cada dia que te sonho)
sem nome
em pálpebras
impalpáveis
habita os meus sonhos
nos corpos enlaçados
dois corpos nus em lama
donde nada brota
se não fores
mais do que imaginei de mim

tenho medo de ti, sem cor
colorido sonho avesso
atravessado
na garganta calada
ou sai
ou muda
meu mundo.
poema fragamentado sobre eu e você


te quero inteira, a beira de um abismo de mim te quero toda  te quero inteira assim meio de lado cheirando a chanel ou jasmin de frente pisando em flor ou nas dores de mim passando por trás por um fio vem inteira e eu (ou o fragmento de mim) também toda embananada nuns porém de dia, poréns de noite é sempre assim: você vem tão menina, tão mulher prá cima de mim e eu nem olho pro lado se você vem assim cheirando a chanel, gengibre ou jasmin, teu corpo jazz em mim eu inteira, feliz, assim, menina me pegou de lado de frente por trás e eu agora não sei fazer com a demanda sem fim de amor, que transcorre transpassa nos dias tão quentes do interior, o quarto cheirando incenso ou amor, eu sem dor, sem ódio, sem torpor, sem preguiça e sem andor, sem fantasia, só amor, transcendendo subindo descendo como toda matéria-espírito na terra. Pois se nasci assim imperfeita, sou eu, o que sou,  inteira prá você, descobriu minhas brechas, deitou e rolou, agora fecha a mão no meu pescoço, e ama: eu te amo, pela casa, pela cama, pelo jardim, torta, reta-inteira de mim, pedaço, cheirando a chanel ou jasmin.