dói por frestas obscuras
a profunda reação a temporal

o mundo explode
eu, em prece
prezo por outros
porquês

todo tempo
magoa-me
na brecha

respiro
liberto-me
sou
sôo
no vento

um mar
contratempo

são tempos turvos,
de caos cruento

e eu não preciso disso.
se eu desenhar um sol
colado num deus hindu
cercado de querubins nus
na contraparte esquerda do meu tórax
e se eu colar uma cobra
subindo pelo meu cóccix
se enredilhando pelas têmporas
e se eu nem tiver tempo
de te explicar sobre a fênix
que se abriu em meu peito
e se mesmo sem jeito pra isso
eu resolver desenhar a faca
um coração na minha nuca
e se nunca isso fizer sentido
dentro das pregas do meu vestido
cor de sangue pisado
se eu resolver marcar meu corpo
com tudo ou nada que tenho sofrido
se ainda assim você não entendesse
e eu ainda desenhasse
peixes e mamutes escarlates
com arabescos traçados a lança
se meu torso eu cobrisse
de unicórnios tristes
de pégasos depenados
e se ainda desesperados
meus braços fossem pintados
com marcas das garras de onça
com que um dia foram marcados
e se eu desenhar um macaco
num trecho de braço despido
travestido de hanuman
e se no meu sexo eu desenhar uma rã
coberta de folhas secas
e se eu desenhar na minha buceta
um caminho de pedras santas
se perto das minhas ancas
você tiver que pagar as promessas
você se compromete?
e insiste?
pisando em brasa incandescente
e eu recitando pornografias pros seus parentes?
chamando a sua tia de porca de heliópolis?
e se mesmo assim eu ficar triste,
triste de não ter mais jeito
e  passar um dia inteiro
relatando meus defeitos
e declarando os meus direitos
pela idade adquiridos?
e se eu me sentar em lótus
por cinco dias seguidos
e me iluminar de repente?
(coisa que eu duvido, realmente)
e se na hora que eu parar
de soltar os vitupérios
você ainda conseguir,
por força de algum mistério,
por tua mão na minha testa
e me abençoar com alfazema
se você conseguir não ter pena
nem dó nem compaixão
nem raiva nem medo
e só me der a mão
para que eu possa me apoiar
e levantar
com uma mínima dignidade
se a gente se encostar e
conseguir andar lado a lado
reluzindo
e se o sol estiver se pondo
num fim de dia lindo
em que cai uma chuva fina
lavando a alma exposta
nos traçados da minha pele
que foi quase descomposta
e se escorrer toda tinta-sangue
com que a ira foi pintada
e a estrada parecer minimamente segura
com pedras de raros brilhantes
e em nada parecida com os antes
me acompanha nesse caminho?
me leva no seu encalço
que eu não piso mais em falso
e ainda recito poesia
ao pé do teu ouvido santo
servindo de acalanto
pras horas mais tediosas.
e que a brisa sopre serena
levando todas as penas
das horas que estive em brasa.




amanheceu-me girassóis
tomando lugar no peito.

num dia ensolarado
eu num escuro,
iluminada da sua lembrança.

anoiteceu
eu nem vi
fabriquei um sol em mim
com a réstia do seu cheiro

a noite
deitada
fiz um sol em mim
desenhado de carmim no peito
com efeito
era batom
mas bastou
pra te manter em mim


acordei antes do dia
e o sol carmim
nasceu 
no meu peito borrado
a cata do peito seu.
o amor pegou-me pelo pescoço
eu dei-lhe minhas mãos
para que as pegasse.

o amor veio de novo
e me derrubou.
eu levantei.
disse-lhe: toma minhas mãos.

o amor insistiu:
puxou-me os cabelos até o chão
pedia aos berros para que eu o soltasse
(mas se não era eu que o prendia!)
eu nada fiz.
esperei que o amor, embaraçado,
se soltasse e disse:
por que não pega minhas mãos?

 o amor estava cego
e surdo
em surto
o amor não dormia há dias.
(o amor estava insone)

o amor se debatia no aparador da cama
ao lado do copo d'água
que refletia um pedaço de céu.
sem lua.
(uma não lua num não lago)

o amor não me deixava dormir, insistia.
eu olhei o amor nos olhos.

e
eis aqui minhas mãos
toma-as, coloca onde quiseres,
deixa-me solta.
anda lado,
alado
comigo: voa.
que você possa vir
com calma
e que não doa.



Tento
desvencilho-me
 da sua presença
sentencio o fim
 a cada noite
mas na alvorada
é a sua figura
que nasce
(talvez só por ser impossível
e
enfim.)

me tenta
fugidia
sua imagem
potente
na frente
moldura inexata
dos meus atos.
virtuosos.
virtuais.
derrotistas.

 eu nada mais
desejaria
como tanto
desejei.

imagino tua boca
minha
na minha
ainda olha:
molha
meus olhos
ainda
em vez
de meus
lábios.

I.
Essa é a poesia que eu fiz pra te esquecer.
Nela eu deixo: ponte, estrela, luar e as memórias que eu fabriquei pra quando formos velhinhos eu compartilhar com você.
Eu deixo nela: guarda chuva, bicicleta, flor. Barulho de chuva no rio. Deixo uma risada de lado que você deu no primeiro dia que eu vi você.
Deixo aqui ainda: muro, lixo e medo e os todos os meus defeitos, que apesar de eu tentar esconder, você logo descobriu; e hoje eu penso, se esse não foi o porquê você não me quis, e resolveu me esquecer.
E por mais que pareça estranho, eu deixarei aqui todas as minhas roupas que me lembram você - e até aquelas que me lembram eu porque eu tenho que deixar aqui um pedaço de mim, e até EU me lembra você.
Eu deixo aqui, nessa poesia que eu fiz pra te esquecer outras coisas que os outros não poderão ver: o gosto da sua boca, sua nuca, seu colo, suas mãos e as minhas mãos em você.
Eu deixo aqui também umas coisas suas: o seu jeito de olhar primeiro pra baixo antes de me olhar nos olhos. E meus olhos nos seus olhos e o vento que sobe no peito quando a gente se vê.
E pra conseguir fazer isso, essa é a poesia  que eu fiz pra te esquecer.


II.
No dia em que eu te esquecer não fará sol. Mas eu vou perceber que algo novo, algo leve, me aconteceu ou está pra acontecer.
No dia em que eu te esquecer, eu vou tomar muito café. Por que vou poder tomar café sem pensar, que café me lembra você. E vou poder comer bala, sem nunca pensar naquele dia anos atrás, que bala começou a me lembrar você.
E só no dia que eu te esquecer eu vou poder estudar mitologia. Por que eu nunca fui a Psiquê, e você não é Eros e por isso que te amei tanto: eu sempre fui só eu mesmo, e você foi sempre você.
E nesse dia sem sol, sem chuva, depois que anoitecer, eu vou ficar horas olhando pra lua, porque ela não me lembra mais você.
E o sol batendo oblíquo no quadro do klimt, e o por do sol por entre os prédios, os astros todos, até o universo eu vou poder rever, porque não vão ser só um pretexto pra pensar em você, no dia em que eu te esquecer.
E se eu tenho que escolher um dia, que seja hoje. Por que quanto mais tempo eu demorar, mais eu vou amar você. E pra conseguir fazer isso, essa é a poesia que eu fiz pra te esquecer.


Saudade é quando seu coração te avisa que tem algo que deveria estar ali e, por algum motivo, não está.
Foi ela mesmo que me contou
Essa história
E me lembro que à época
Que me pareceu  bonita.
Eu tinha 2 anos e era bailarina.

Agora posso reconta-la,
mas aviso:
A morte invadiu a minha poética
Quando começou a rondar nossas vidas
E deixará marcas profundas.
A marca própria dos mistérios
Por isso construirei poemas fúnebres.

Eu não queria olhar mais aquele cadáver que respirava.
Respirava cadavérica
Com a maldição lhe comendo a voz.

(esse é um canto de morte e dor,
não prossiga
não termina bem
com metáforas suaves
termina triste
e feio como um tumor)

Um caranguejo comeu minha tia.
Comeu-a aos poucos
Nos deu tempo de olhá-lo bem
Deu tempo a ela de olhar bem pra sua face roxa.
Comeu primeiro a alegria
depois a voz
depois a ironia.

Agora
ela era a bela adormecida.
Dormia
E tínhamos que vigiá-la
velá-la, eu diria.
(eu havia de zelar por ela
eu me des-espero pois não sei fazê-lo)

Era a feia-adormecida
A bela já havia partido.
E deixava-nos partidos
Segmentados
sem a sua cola sarcástica
Sem seu amor desmedido.
Era um pouco de nós que morria.

agora só nos restava
que um príncipe-morte
viesse
para dar o beijo final
e a libertasse
e sabíamos que só sepultaríamos
o feio caranguejo.
um arremedo da beleza
feio como qualquer arremedo.

Minha tia-bela-adormecida
Vai olhar pra face do príncipe-morte com amor
Como nos olhava por trás dos dois óculos
E eu tinha certeza que no dia seguinte após o almoço
Eu poderia tomar café em sua casa
E ela diria:
“Você viu que besta esse caranguejo? Um lance, achou que me comeria”
E eu contaria piadas e segredos
Que ela guardaria.

Mas esse caranguejo besta
Bobo e rancoroso
Comeu a voz da minha tia
E eu sou criança demais
Pra entender
Que ela não voltaria.

Eu tenho medo dele
Do príncipe-caranguejo que a beijará
Como aquela bailarina que eu fui também tinha.
Mas não sabia.

Minha mãe fia e confia
Com o silêncio de uma rainha-mãe
Ela é uma criança como eu
Ela é forte como eu
E nossas almas estão em andrajos.

(Nem a esperança do outro lado me acalma
Eu só queria, egoísta
Que o futuro não tivesse chegado a galope
e que caranguejos não cavalgassem)

E tomaríamos
Mais quinze mil cafés
Ao som das risadas
Dois óculos
“Um lance”
E fado.    
III.
A mulher que caminhava está seca
O deserto a inundou.
Eu permanecia na praia.
a areia densa nos separava.

Ela abriu os olhos
e eram dois olhos de pupilas brancas

descrevê-la é prever um deserto
suas mãos com sulcos secos
como galhos invertidos
suas têmporas riscadas
como dois figos abertos
e seus malditos olhos brancos
ausentes de alma
não andava
nem sulcava a areia
quase como que flutuava
uma lagarta centopeica
uma gosma cósmica
verde-reluzente.
quase puta, quase louca
rota
a morte a solta.
fria, seca, magnética.

eu a olhava com meus olhos de água
ou de anis estrelado
duas órbitas, duas luas
límpidas e nuas.

entender-me é antever um mar
minhas longas saias de ondas
ausência de pés
longas nadadeiras
brânquias por pulmões
não nadava
quase que flutuava sobre as águas
de messiânicas paragens.
Quase santa, mas nem tanto.

duas potestades
duas fundações
nascimento e morte
sem função ou ministério
vagando apenas
em seus profundos mistérios

II.
Agora sou eu
quem caminha
no deserto púrpura.

Estou só.
ou pelo menos assim me parece
E é impossível saber se é verdade
pois
Está escuro e faz frio, como num ventre morto.

Eu tateio o ar com as mãos atadas
Eu cheguei até aqui guiada
e daqui devo sair sozinha.

Eu estou nua
Ou pelo menos assim me parece
Pois sinto o vento frio apalpar minhas coxas e barriga.
Então eu temo que
Se alguém me vir agora
Verá as tantas cicatrizes feias no meu ventre.
Que fiz com faca, cega.
(Desenhei um caminho de lesmolisas
Imaginei meu ventre verde e brilhante)

Temo e desejo.
Que logo me vejam
Pois não gosto de estar só.

(Onde está minha pele de mamute?)

Não sei o que procuro
tateio o nada infindo e fundo
do escuro que habito.

Procuro um peixe?
Um macaco?
Uma baleia?
Uma lista de memórias fingidas?
Uma parede onde possa repousar meu corpo?

Eu pensei que as mãos tateavam fora
Mas é dentro que orbito.
Se procuro con-tato
É com a boca que acho:
esquecido num canto num canto num canto num canto num canto num canto
num não canto
Murmúrio
Púrpura
Em canto.
(o infinito não tem vértices
o escuro nunca cessa e o frio é intenso
meu encanto não esquenta o tempo)

Acho não fora mas dentro
Um canto esquecido nas têmporas
Que entoo a toa
Pois sou per-sona.

 (eu procurava um peixe)
eu mesma canto e me encanto.
Em canto sai de mim
Um som.
Que me conduz.
Como uma sereia as avessas
Eu sigo meu próprio canto
Talvez cabeça de peixe e pés de senhora
Ou talvez asas
(eu as tinha por trás das escápulas)

Ainda sinto o vento por dentro
Saindo em forma de som
Uivando nas frestas das minhas cicatrizes
Mais alto
Mais alto
Mais alto
Vôo.

Não estava escuro, eu vejo
Fui eu quem insisti na cegueira
E agora
Abro um olho só:
Um ventre de peixe me habita.
As cicatrizes e suas entranhas
Pendem
As asas
Suspendem
E sei que em breve vou cair.
Continua frio
Mas achei minha pele de mamutes.

Sereia-peixe-mamute-de-funda-cicatriz-aposentada-com-asas-nas-escápulas.
De longe vejo com meu redondo ciclópico olho
o deserto-pântano
que saí
entoando
essa poesia-en-canto.
I.
Uma mulher caminha
num vasto deserto
Talvez seja uma praia
Ela não sabe
Nem eu
Pois estamos cegas.
Tudo o que sente sob seus pés
é areia
é fina
é quente
Talvez branca
Ela não sabe
Nem eu
Pois estamos cegas.
Areia entra
por seus dedos dos pés
Que afundam na sua brancura imaginada
Cada passo um novo encontro
Areia imaginadamente branca e
pés-pós-pés.
O céu é frio.
Venta.
Talvez seja o céu
Azul arroxeado,
Ou
verde e pálido,
Ela não sabe
Nem eu
Pois
Recusamo-nos a abrir os olhos.

Ela crê
(eu não)
que o céu transmutará em púrpura
mesmo que não possamos vê-lo
e prepara-se para tornar a enxergar
quando eu avistar que assim é.
(ela não recorda que também eu estou cega)

ela encosta seu peito ao meu
antes chamávamos plexo
encosta então
plexo-com-plexo
mas não enlaçamos os braços
abertos
e o reflexo no oásis tempo
seria bonito, se pudéssemos ver
mas ela não sabe
nem eu
pois já disse:
ambas cegas.

Do outro lado do mar, se pudéssemos ver
Saberíamos: uma nau cruza o oceano
Guiada por estrelas mutantes
Imutáveis catedrais são erigidas
E o homem não redime o homem.

Mas ela e eu
Mulheres somos.
E cegas
Por desventura da teimosia
De não olharmo-nos.

(Já é outro o dia agora
E sei que está perto do púrpura celeste desabar sobre nós
Tenho tanto medo
Que não cabe nessa poesia
E por isso permaneço na cegueira)

Ela então abre os olhos -
Ou talvez eu tenha os aberto primeiro
Não sei
E acho improvável a coincidência
De termos as duas aberto juntas
- e como estávamos, como ela disse -
plexo-com-plexo
tudo o que vemos é o ciclópico olho uma da outra
e isso nos parece
todo mundo

esquecemo-nos
da branca areia
do céu purpúreo
da praia desértica.
ainda cegas,
vendo os próprios olhos do tempo.

Precisou que aquela outra viesse
E nos narrasse
Em terceira pessoa do plural
e fizemos
nós


enlaçamos os braços
e areia
céu
e deserto
pareceram certos
em expulsar-nos
por ter profanado
e visto:
o céu que era branco
a areia púrpura
e estávamos
sós
nuas
e
loucas
numa pequena bacia de ágata azul marinho
numa cidade qualquer
que
também
cega
não nos via.
quieta
calo
não ouso
mais um

passo.

O terreno é movediço.
E há muito em jogo.

(meu amor.
futuro do subjuntivo
mas:
perfeito)

não quero meter
(em)
quem mais amo
(eu e tu)
numa alternância de sofreres
e desgosto

Paro
ex-piro
Retomo
a
Redoma,
protetora.

(nada me é mais importante
do que essa pequena-grandeza
amplos olhos e cílios
profundezas tantas
e manias
de cheiros precisos
e amplo coração)

quieta
volto
ao peito-chão
da razão.
tudo mais em tua mão.
acordei com desejos de abraçar um urso
de ninar tamanduás
de cantar pra bois acordarem
de susto
de andar de patins
sem cair em si
de ser outra
mais
ou menos
louca.

(é a Bahia e todos seus santos?)

fingi que gostava disso
desse ser que caminha na praia
fingi que achava bom
ser solidão
quando nãos

(foi aquele acarajé de oyá)

senti falta
da minha pequena
da minha pequena fauna
de canídeos e felinos
que parecem sagüis
(e  de fatos os são
mais sagüis que esses aquis)

e pensei
serenando
(com o mar batendo a frente
e essa gente acostumada a boniteza dele)
se invento dores controladas
que rio à toa
que gargalho boba
pra preencher o espaço furado de dentro
num contra tempo.

a gentes continuam de costas pro mar
acostumados que estão ao marejar
ou mesmo se de frente ainda assim não está
o mar é o mesmo
(Mar da Bahia cujo verde vez em quando me fazia bem)

eu é que ando outra
e
gostando de ser
essa paulista
rota
desajeitada
grisalha
e
louca.


o começo do fim
teve também seu início
numa noite de outono propício
aos fins
prometia diversão
mas ofereceu pontadas.
senti meus ossos duros
por dentro da tenra carne
que se desfazia em exaustão

minha cabeça sentia
a pressão de um novo tempo
a lufada do vento
(os cabelos. ah. os cabelos)

olhava meus apelos
como se fossem longínquos
percebi que havia tudo
mudado
mudado enfim

quando dei por mim já era outra
já era um começo de fim

os apelos, suplicantes em dor
tão perdidos dentro de mim
nem eram sentidos
nem faziam sentir
e a vontade de felicidade
gritava por fim
enfim.

por dentro de mim.

Poema para o impossível


Por que foge de mim

Céu

Desejo?

Penso recompor teu corpo
Na parca memória respeitosa
Dos meus pequenos olhos devassos
(controlados. descompostos. descompasso.)

Sempre me lembro primeiro dos seus cabelos cobrindo teu pescoço e de como desejei tirá-los dali para que, então, coubesse minha boca.
Penso em como minha mão se encaixaria entre suas espáduas e de como seria fácil trazer seu corpo junto ao meu, quando elas estivessem lá e meus lábios em na tua orelha.
Inevitavelmente penso no seu cheiro. Fresco, como um amanhecer, após banho. E quando penso no seu cheiro pós banho, sempre enrubesço, pois então penso em como seria a água escorrendo pelo seu corpo. No seu corpo, sem roupa, aberto reluzente onde poderia, sendo meu, pousar meus olhos. Esses mesmos que agora fugiriam dos seus olhos, se eu pensar que um dia você descobriria o quanto te desejo (te desejo ainda, ou te desejaria a partir de agora, ou num tempo que não sei conjugar: pretérito do subjuntivo mais que perfeito).
E então a tua boca. Eu poderia aqui dizer, romântica, simpática, delicada, que penso no seu sorriso, no jeito que você mexe quando ri, e como eu me perco, sem que você saiba, no seu sorriso. E eu penso mesmo no seu sorriso. Mas se eu tiver que ser sincera, eu tenho que dizer que me pego pensando na temperatura, no gosto e no paladar da tua boca. De como seria encostar a minha boca na sua. Eu fecho os olhos e é então, como se um dia tivesse acontecido. No impossível do tempo, do seu tempo, meu tempo, seu beijo, seus encaixes.
E quando penso em encaixe, inevitavelmente penso em sexo. E aí, como estou pensando nisso mesmo, deixo o pensamento-desejo correr junto a água do seu corpo, junto do meu corpo e então não é mais pensamento, é desejo e corpo e vertigem sem ar e sem tempo. Esse tempo, ilusão da matéria. E é o encaixe do seu corpo, impossível ao meu toque nessa vida, desse jeito, agora: essa vida ilusão que deu de ser assim - e o que mais me intriga e revela é o que traz a dureza do não vivido (ainda ou nunca ou sempre ou quando?).
E abro os olhos e você não está. Ou não é você, não é ainda você, ou você já se foi da minha vida. E algo me protege da fuga. E algo te revela numa metáfora. Numa procura. Num sonho. Numa impossibilidade- desejo. Em outra mulher, numa lua. Numa possibilidade remota. Nessa bolha sonho que ninguém, nem você mesmo, tem direito de me tomar.
numa manhã oblíqua eu percebi
como uma lembrança triste
que você já era

passado

que o futuro já tinha chegado
- aquele que eu projetava -
quando você não estava mais

presente

é quando a gente se dá conta
que morreu um pouco
que nasceu um pouco
que viveu um fim

enfim

percebi que eu não pensava em você
e que você não pensava em mim.

olhei no relógio pra ver e assim:
era páscoa por fora
e carnaval dentro de mim.
para de me pedir pra não chorar, porra!
você não tá vendo que tudo corta?
que tudo machuca?
que trocaram minha pele por um tomate descascado
que palavra tua fura, por mais que metafórica?
faz um favor
pega a sua metáfora e se meta fora daqui
que eu não me intrometo na tua vida.
e não me pede pra não gritar.
Por que eu eu vou te obedecer se eu pedi:
não vai mais, vai só até aqui porque hoje eu acordei
sem aquela pele de mamute que vesti?
e agora você faz o racional
e manda eu me controlar?
Não controlo, nem você me controla
Mar não tem controle, nem remoto
mar só tem maremoto.
Então não me inventa que eu não vento
Eu não tinha o intento de gritar
te pedi mansinha: vai devagar
que eu saí de casa com o coração fora do peito
e não tem jeito de ele pra cá entrar.

Você não vê que não é você?
Que eu to chorando por tudo, até pelo leite derramado
Ai fica fácil você dizer que não queria me fazer chorar
NÃO FOI VOCÊ
Mas se não quer que eu te sopre
se não quer que sobre pra você
da área, da espaço, me deixa me debater
sozinha porque se eu não danço até morrer
eu me pinto de demônio-escarlate
e apareço na tevê cometendo um atentado
pedindo de fiança tua alma
sem salvação pra rende
na poupança do meu ódio.
Eu estraçalho seus bagos
frito em azeite português
sirvo numa tamanca
com bacalhau e vinho.
Depois saio pro aí dançando o vira
bem de cara virada numa pomba gira

Viu só?
Pedi pra me deixar chorar em paz
e fazer cena clichê
escorregar na parede soluçando
sozinha sem ninguém ver
mas você quis ser razoável
conversar e se entender
não quis me atender.
Agora pronto.
to suuuuuper melhor.

E você?
meter a mão ao peito
meter os pés
meter-se em nãos
meter os pés pelas mãos
confundir-se com a turba na escuridão
é meu fardo-sina e senão
ofender-me facilmente
macular o coração.

meter a mão ao peito
com um tanto de amor
entre os dedos
com paixão
lavar cada átrio
da casa-coração
cada dia um pouco mais fundo
tornando-se infindo
e sem cor ação
(é púrpura, é voragem, é transmutação)

eu me magoo com tudo
eu nada relevo
eu me assusto com o vão
entre o que penso
e o que é minha ação
porque falha, torpe, palavrão
atordoante, feroz, RE ação
então
cubro-me de impropérios cortantes
quero ferir meu irmão
mas calo, limpo choro

meto a mão ao peito
e revelo
relavo
até
que
releve
não reajo
me calo
e
um dia
vira perdão.