Medo

Tenho medo.
São seis e dezesseis e eu já estou de pé.
Voltar pra cama é inútil, mas eu sei que ainda vou tentar.
Medo do quê?
De mim, da minha inconstância.
Só o amor é perene em mim.
Eu tenho muito poucas, mas o amor é certeza.
Mais do que a dúvida, a certeza me amedronta. Dizem que é estranho, por que é a certeza o porto seguro. Não meu. O meu porto seguro é cada dia um outro, é cada momento uma dúvida. Quando eu não tiver mais do que duvidar, por que viver? Tenho medo por que a sina de uma certeza é se desmoronar. Tento transformar o amor em dúvida, mas eu sei, é certeza.
Não é fácil, não, viver assim, na dúvida. Dói um pouco, sim.
Sou um pouco egoísta, por que talvez me cerque de pessoas retas pra corrigir minha curvatura. Olho em volta, e talvez nem meus gatos me queiram mais aqui: prá eles só há uma certeza: a casa, que prá mim também é dúvida.
Mas nem isso que eu escrevi prá mim é certo.
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Dói um pouco.
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E medo.

Talvez o fim, recomeço

Quem eu amo está triste.
Penso se sou eu, com minha tristeza infinita que a contagiou de finais.
Mas não tenho sido triste.

A vida está corrida.

Os dias passam rápidos, e os que passam devagar demoram.
Demoram pra chegar


e quando chegam não parecem bastarem-se em si mesmos.

(Houve um tempo quem que eu podia estar com ela só, sem ninguém, por horas dias anos.
Agora não mais. Agora aparece um buraco)

Ela pensa em fim. Eu recomeço.

Não sei se ela me ama, não sei se sou aquilo que ela ama, não sei o que ela ama em mim.
A estabilidade dela talvez me passe rasteiras diárias.
Vale-lhe mais o cotidiano do que minhas intempéries, talvez.

Talvez ela precisasse de uma outra, não eu, não assim, não sem ossos.
Não tão pronta pra voar.
(Por que ela não veste minhas asas de sonhos?
Por que ela não veste as asas dela, que já antevejo tão lindas e brancas.
Ou verdes, como a cura que vem lenta, cicatrizando por dentro, por fora, pelo passado e pelo futuro.)

Eu quero viver com ela por muitos anos.
Não sei se ela aguentará minhas tormentas.
Não sei se suporto o chão.

Eu a amo.
Ela também.
Eu sinto, ela sabe.

Rocha com pontas, às vezes vasa mel.
leite e um pouquinho de dor.
Queria poder lamber a dor,
e que tivesse prá mim gosto de leite e mel.

Mas não.

Não lambo: não há como penetrar a redoma da cabeça dela.
O crânio talvez.
A simbiose que me é fácil, clara,
é dura e evitável prá ela.
Dói um pouco.

Talvez fim?

Penso em reinícios.
sobre luzes e trevas: enquanto ensolara lá fora, tempestade na cabeça. Posted by Hello

Sobre Trilhos

Eu tenho uma hipótese sobre o estudo da natureza humana a partir do comportamento confinado dometrô/trem (em tempo: trem é metrô?) Mais do que no ônibus, que permite um certo jogo compartilhado devido ao seu diminuto tamanho (em relação ao trem, claro) e divide a atenção com o trânsito, a rua, os transeuntes; o metrô e o trem concentram o humano numa caixa fechada por um bom período. Nesse lugar (que nem bem é um lugar, porque se move, mas também não é um não lugar, porque por dentro dele é parado), onde não há o que fazer e nem o que ver (você dirá: "o trem tem sim paisagem! Não é subterrâneo!" Mas eu lhe direi que a paisagem é: fundos de galpões sujos, muros, grades, costas de favelas e trens mortos, o que nao é atrativo como a diversidade visual do Largo da Batata as cinco da tarde...), e no final das contas é só uma caixa transportadora, eu passo mais de três horas semanais (tem gente que passa umas doze!). É mais doq ue eu passo no bar! (as referências mudariam se eu fosse boêmia).
Cada um se comporta de um jeito. A maioria, como é cedo (são oito horas da manhã), dorme. Dorme não, cochila, pesca, se coça, encosta, dá uma babadinha. se limpa, confere a estação. E dorme. Dorme não, cochila... Tem um cara atrás de mim que está trabalahdno via celular. Não dá prá saber direito o que ele faz, talvez seja muambeiro. Ele se espalhou no vagão como se fosse seu escritório. suas coisas nos bancos opostos a sua frente: sua mesa. Ao seu lado tem um copo de café! O celular toca. O cara do lado dele, dorme. Dorme não, cochila, pesca, olha feio pro executivo muambeiro, a cada "sim, pois não", e a cada toque de celular (é um toque chato... parece um ataque super sônico de mariposas). Talvez não tenho dormido a noite. Tem cara de baladeiro. Do outro lado do vagão, na outra ponta em que estou, um menino ouve walkman. Bate o pé as vezes. Quase cantarola. Parece que a qualquer momento vai levantar e sair dançando. Acho que é hip hop.
Olha em volta de novo. Um rapaz olha prá mim, fixamente. Não tá me paquerando não, mas é que eu estou escrevendo num caderninho meio embolorento, mesmo com os tremiliques do trem. A letra falha e eu insisto.
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O que será que isso diz de mim?
um outro. Posted by Hello

First

Fiquei pensando outro dia que eu sou eu. Parece um pensamento bem estranho de se ter, mas só sabendo esse tipo de coisa que a gente acaba chegando a conclusão que não sabe direito o que é. Não o que. O que sou eu sei: ser humano. Quem sou? Aquele pensamentozinho que nasceu, foi de mim? Aquela vontadezinha de comer chocolate sou eu? Se eu sou eu até nos pequenos gestos, se eu mudar os pequenos gestos deixo de ser eu? mas aí vou continuar sendo eu, de outro jeito. Um eu mudado. Um outro eu, ainda que reconheçam a gente na rua, vc sabe que não é a mesma pessoa. Tá, sem aquele papo careta de o rio e o homem mudam, não to falando de água, to falando de dia a dia. Por exemplo. Eu guardo sempre o bilhete único no bolso do celular. Eu passei a guardar na carteira. Eu sou eu? Se eu sou o que eu penso, eu nunca paro de modificar? se eu nunca paro de modificar, como eu tenho parâmetros prá saber quem sou eu?
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De fato, a gente sempre é EU. O difícil é saber como.

janela Posted by Hello

Pensamento

O importante mesmo é se manter em movimento.

O cérebro nunca pára. quer dizer, se você pára ele continua pra um lugar que você não comanda. Então o melhor mesmo é comanda-lo.
Por isso eu escrevo: pra ver se sai de mim algo que seja mesmo um eu.