Cansei de ter de cobrir-me de tristezas
Para verter poesia!
Ah!

Não posso eu jorrar algo em que floresça
Os tais dias felizes esperados?

Não pode ser essa metade de mim a que canta?

Por que até em chamar-te padeço, Contenteza?

Ventura, ouça:

Peço imploro
Te profetizo, Regozijo
Te invoco, Alegria
Conjuro teu nome catorze,
infinitas vezes,
Teus inúmeros nomes.

Canta sobre meu corpo
Verte sobre o meu verso
inspira minha torrente
Sangra a purificação.
Da fusão de água e ar
se faz fotossíntese.
Chamo-me agora tufão
E dessa diminuta altura conclamo os ventos
Dos raios, sou o trovão de som
Fúria varrendo os mares
Onde dantes repousava meu corpo
Era meu corpo, olhar

Pois sou em diante vento
Éter estelar
Aquela que sacode
arrepia por trás das orelhas
barulha e venta

Por detrás das asas me mantenho no ar
Teu nome é dureza
Meu é abisso

(É com frágeis braçadas que me mantenho emersa
E de tanto debater-me
molharam-se minhas asas.
Compreendi, nesta noite infinda
que não há aquele ou aquela
que abarque os meus sonhos)

Teu nome é tronco
Meu é profundeza

Jogo-me contra ti,
como se profundeza
não fosse um nada imenso
Uma cavidade
É não matéria que sou
É buraco
oco
vazio
cavidade
preenchida de água límpida

A espera da pedra, lapa, tronco
que jogada
circunscreverá os traços
a movê-la.

(compreendi que não será turvada
a não ser por mim
entendi assim:
apesar de reflexa,
a água carreia luz)

Teu nome é noite
Meu é chuva.

Amanheceu o dia chorando minha lágrima.
por trás da cabeça abriram-se as asas
mas ainda sem as penas,
que crescem aos poucos
antevejo a vida,
e me amedronta.
não sei não vivê-la.
tenho medo da simpleza:
então ser feliz é assim?

queria que elas batessem antes da queda
pois caio em mim e dói.

achei que viveria tudo isso assim,
a teu lado
na tua frente

mas é sozinha que vôo.

(percebi que ainda em revoada
é solitária, doída e cansativa
a migração dos pássaros)

me sinto só e fujo de mim.
Olho:
corpo nuca peitos
minhas mãos.

não penso sexo
penso dentro.

desejo mais
que minhas mãos entrem
por onde se abrem entradas
(já que por outros poros não vão)

e possam elas serem hábeis
para manusear seios e medos, e
que estes caibam nas mãos.
Não é assim não, garota,
Porque me doem partes intocadas.

Talvez não tenha nenhuma parte do tórax
por dentro ou fora
que alguém já não meteu a mão.

resolveste agora meter-te onde?
Na cabeça, crânio: também já lá foram.
Nos pés, também já se enfiaram.
Por que brecha desejas entrar, se ando plena?

Plena de mim, plena de nós.
O que queres? Placidez?
Dou.
Loucura? Tenho de sobra.
Maremotos? Sou.

Que esperas então, menina?
Que sejas suficientemente mulher para ter-me?
Que volte eu a ser menina para amá-la?

Ando cansada das ondas do tempo, pequena...

Que importa a mim se nesta vida calhamos de nascer assim
mulheres de diferentes estaturas
iguais nos medos de pé no chão
identicas no modo de correr?
Que importa aos outros se somos
suficientemente livres
para nos amarmos em silêncio?
ou ainda gritando em plena avenida:
duas pernas entrelaçadas
e no meio fio, amor.

A quem importa?

Disse-te outro dia que eras uma
e não a
e disse-te que no momento eras a
e não mais uma
disse-te: movo-me pelas controvérsias
do verbo
pois não acredito nele.
E disseste que deverias sentir
falta de algo de mimo
Que não poderias ser assim para sempre
Que devo portanto não amá-la um pouco
para que se saiba amada.

E foges de pés descalços com evasivas
sobre a vida cotidiana
sobre tu e sobre mim.

Escapa-me dos dedos
sobra, derretes pelas farpas.
Dou-me como barganha.


Aceita.
A dor abraçou-se do meu tórax
Pela noite, rondava minha cabeça
dizia: vai, regurgita tua felicidade.
Não podes ser feliz assim, sem dor.

Cato ela pela cangote:
que queres de mim doença?
Mostrar-me como sou frágil humana?
Já o sabia eu.
Mostrar-me dureza, as escolhas?
Já as faço há tempos.
Doer-me o peito?
Nem é o peito que atinges, é embaixo!

Nada podes tu contra mim.
Nada.

Só entrevar-me na cama,

e ainda por cima,
escrevo poesia,
zombando de ti.