Quando tudo é placidez
Contempla o oposto

Porque insiste em não me dar a mão
e se acalmar no meu peito-coração?

Aceita meu abraço perpetuado
no simples ato
de reverenciar o tempo passado
recebe meu amor, ainda que calado?
(só porque está cansado)

Com pás e ganchos e cordas
baldes e potes e enxadas
e afagos de gargalhada
acordamos a madrugada
fria: quentura de amor

Amor, tudo é pra já e perene
a hora é agora e solene
mas nada importa tanto que te inflame
a alma em dor
é passageiro, meu amor
suporta, esquece,
não entra no fervor do mundo
vem cá, se aquece
no meu abraço profundo

faz falta as alegrias
não se aparta na dor
eu te amo e só queria
que aceitasse, amor.
o coração aperta
quando se embate com a certeza
mas se tudo é processo
por que o medo do incerto?
Se vai dar certo
se está correndo, coerente, correto
se não é pretérito?

coração não é esperto
é expert em criar caso
em dar mole pro acaso.

coração, olho aberto!
faz tudo devagar,
vai pulando o pesar
pensa no longo caminhar
ame-a e a queira
só estar por perto.
sem apego
sem demanda
sem controle
sem pesar
leve daqui esse farfalhar de dor
limpa
(a)
lava
transborda
a mar.
Fui dar uma volta a toa
me perdi numa esquina
virei na paralela
e fui parar de frente ao coração dela.
Entrei, não sem antes respirar fundo
(entrar no coração do outro é quase que entrar em outro mundo)

Achei que seu coração seria por dentro coberto de espelhos
de tamanhos diferentes e por todos os lados
mas espelhos
como o que ela salpica nas paredes das casas que mora
como os que ela transforma os vidros, as vitrines
os olhares dos meninos e meninas que suspiram
como o seu mundo espelhado distorcendo os sentidos.

Mas não.
seu coração era repleto de colagens de fotos
fotos de divas, de estranhos, de gente sensualmente despida.
Mas na maioria, fotos dela. Tantas caras dela olhando pra mim
me assustaram e me tranquilizaram, me fizeram chorar
(desses sentimentos dúbios: violência apaziguadora)
depois pensei que era esse o certo:
fossem espelhos eu me veria lá dentro.
Minha cara espepalhada por todos os cantos.

Muitos ambientes compunham seu vasto coração
algumas decorações ousadas
outras rabiscadas a carvão
outras escorridas com lágrimas
outras escondidas no porão.
(No porão não subo, não entro não
não sou tão intrépida, não sei subir
e mesmo aberto o alçapão
e tenho medo de me perder por lá)

Num canto todo pink-fetiche
bigodes colados, chicotes, altares profanados
alguns baseados fumados
cigarro, bebida, cheiro forte de channel no. 5
corações tatuados sangrentos abertos
doloridos, bolorentos: quase estive por lá
mas não entrei numas.

Espalhados cá e lá
fotos de boys-magia
e algumas macias meninas, mas sobretudo
meninos, homens, senhores, rapazes, moçoilos
lindos como um bom dia depois de uma noite consumada
não tinham espaços fixos, mal fixavam o olhar, mal eram vistos
e quando eram se exibiam: troféus de escolhidos
por mais que saibam do seu breve transitar.
Esses foram menos doloridos de contemplar

(Há espaços planejados
(esses são mais duros de ver)
futuros plasmados, já em planta e não edificados
mas que rezo pra saber,
e sei que saberei quando acontecer.)

Mas

Uma confortável poltrona, num espaço arejado
um sol batendo de leve, plantinhas floridas
as paredes claras, poesias espalhadas
alguma dor, muita conversa, nenhum apego
tive um ataque de riso ao entrar e ver
um pequeno palco microfonado
numa enorme cama desfeita
em lençóis de senhora
atraente, ainda quente,
misteriosa, dadivosa e conhecida
de noites viradas em descobertas
as cobertas espalhadas,
canetas pelo chão, gatos dormitando
almofadinhas, edredon, livros
e uma cafeteira eterna:
fui atraída pra lá e pensei que era esse mesmo o meu lugar
amplamente composto, confortável como um sonho antigo
aconchegante como ombros-travesseiros
amedrontador como pertencer a alguém
perfeito como só em corações abertos a visitação.