meu coração, em outra galáxia caixa-forte submarítima
guardado por louras ondinas agita descompassado
medo de ser tirado do seu repouso forçado
triste desolado amarrotado coração perdido
olha em volta e repara nos olhos-mãos
úmidas janelas, de precisas e conhecidas mãos
solenidade: aconchego afago entendimento perdão


o coração tem medo.


meu coração é matéria d´água é fluvioso marítimo coração
racha pedras com-paixão, funda valas, abre montes, nasce em outros cantos coração
mas está em descanso num armário, sem passagem marcada de volta forçada
sem tempo para sins e nãos,
coração não discute, resvala na goteira invertida coração
grita por misericórdia onde cór é decoração

me aguarda olhos-mãos?

me aconchega nas minhas má aguas, me dá tempo ao coração?
me envolve nas tuas quentes águas, me afaga em perdão
siamesa imitação, completude, tempestade, peixe-carneiro-leão?
os suspiros esperados aos poucos virão
eu me viro de lado, a procura de tua mão:
muda tudo, o contexto, com texto conteste ou não

ele já deu uma volta,
está disposto,
o coração.

poema para o o amor futuro

eu ainda não quero saber como vou te conhecer
ainda não
talvez até eu já te conheça
e só não saiba
que você é meu amor futuro

mas se eu puder escolher
eu prefiro que você chegue no inverno
para que eu gaste mais tempo tirando sua roupa
para que eu tente ver sua nuca por entre o cachecol
para que seu perfume dure mais no meu corpo
para que você queira dormir de conchinha comigo
para eu poder esquentar seus pés gelados
para que a intimidade venha aos poucos e reconhecível
para que você não enjoe rápido da minha pisada torta
ou de como eu reclamo do caimento das saias.

eu posso gostar da sua voz primeiro
do jeito que você pega num livro
eu posso gostar primeiro da sua mão
ou de um jeito de sorrir meio de lado
do jeito que você arruma o talher antes de comer
das coisas que você lê
(será que você vai gostar de Hilda?)
você pode ser bonita, você pode ser linda.
mas isso não precisa ser a primeira coisa
eu prefiro te achar bonita aos poucos
por essas pequenas coisas
que eu vou descobrir cada dia um pouquinho
ao longos dos anos que vamos passar juntas
eu e você

eu quero passar várias noites em claro
conhecendo o seu corpo
seu jeito de se mexer
de me pedir água e depois
de espreguiçar e jogar o corpo em mim
de reclamar que eu me espalho na cama
como se fosse tudo tão novo, de novo
mesmo eu eu já tenha visto de tudo:
como se eu e você tivéssemos acabado de nascer
e estivéssemos inaugurando as tradições.

quero vários dias conversando com a mesa ainda posta
e muitas férias sem rumo
de bicicleta pela Europa
pela orla Copacabana ou pelo Minhocão:
porque vai me importar menos a paisagem do que estar na sua companhia.
(será que você vai de bicicleta? Ou de patins?)
então eu espero que você ache isso bom.
quero te mostrar o parque da minha infância
onde eu caí e fiz essa cicatriz
as ruínas da minha antiga escola,
a casa onde nasci, o banco que dei o primeiro beijo
os meus lugares santificados,
e quero conhecer os seus como um jeito de te conhecer
conhecer seus recortes, seus trajetos, seus horários.

eu quero fazer programas furados com você
só pra depois poder rir de como a gente não percebeu
que ia ser um programa furado
num dos cafés da manhã eternos que vamos tomar juntas.
eu sei que você vai gostar (você tem que gostar)
de esperar o almoço na cozinha conversando comigo.
seria muito bom que você cantasse pra mim
enquanto eu cozinho seu prato preferido
(que vai mudar de tempos em tempos)
ou que tocasse um instrumento
ou colocasse musica e dançasse pra mim

eu quero que você fique de mau humor às vezes
(porque eu fico bastante de mau humor)
aí eu vou poder inventar truques pra melhorar seu humor:
fazer malabarismos pra você rir quando eu deixar cair tudo no chão
imitar aquela sua tia engraçada que conheci no natal com a sua família
fazer uma dancinha como o pato donald e a margarida ou ula-ula com o espanador
tirar o som da tv e dublar as falas da kate e do jim no filme que a gente adora
pra você rir de tudo e eu poder dizer: isso também vai passar
enquanto te faço cafuné deitada no edredon cheio de mini travesseiros
(porque você vai gostar dos meus travesseirinhos)
porque sabemos que tudo vai passar mesmo
até nós duas
(mas isso eu não quero pensar agora)

e você sempre rirá dos meus gracejos
e do meu jeito estabanado de deixar as coisas bem de novo
com uma piada boba e uma voltinha
e nunca vai se irritar por coisas que não merecem atenção
as contas a pagar, o óleo do carro, a faxineira que não veio, o aumento do gás
serão coisas menores: do tamanho que elas tem, de cotidiano.
e vai ter um jeito só seu
(que eu ainda não sei, porque é só seu)
de me fazer rir de mim mesma, quando eu não estiver conseguindo.

eu quero te mostrar como o sol bate oblíquo
nas manhãs azuladas de outono
de como ele entra e lambe a parede do meu quarto
por entre a veneziana
e ilumina o beijo do klimt
(eu sei que você vai amar o sol)
e quero que você me mostre aquela foto da sua adolescência
que você esconde de todo mundo,
aquela com corte de cabelo de gosto duvidoso e ombreiras

eu quero dizer eu te amo de muitas maneiras
até das maneiras óbvias, assim: eu te amo
e das menos óbvias,
como lavar a sua louça no frio
ou regar as suas plantas
ou deixar post-its pela casa com fragmentos de poesia
ou levar seu cachorro pra passear e chamar ele de "filho"
(será que você vai ter cachorro? ou gato? ou os dois, como eu?)
e você vai aceitar meu amor eterno,
leal, compassível, entregue: como um rio
pequeno em sua nascente que se avoluma,
molda paisagens e se lança ao mar serenamente.

eu sempre vou levantar antes de você
(eu sempre levanto antes de todo mundo)
fazer um café e trazer na cama,
(será que você vai gostar de café tanto quanto eu?)
depois de te deixar dormir mais um pouquinho
e ficar observando como você dorme bonitinho.
eu vou gostar do cheiro do seu pescoço ao acordar
e você vai querer acordar comigo todos os dias.
talvez eu leia e você prefira ver tevê
ou então eu vejo aquele programa
sobre o santo sudário com você
sabe? aquele programa que só eu e você gostamos de ver

eu vou te contar minhas virtudes,
mas os defeitos você mesma vai perceber,
porque eu não sou boa nessa parte de fingir
e eu vou conhecer cada mania boba que você tem
e umas coisas que vão me irritar
mas depois de um tempo
eu e você vamos nos amar por causa dessas coisas
e não mais apesar delas.

eu vou te mostrar todo dia as suas virtudes
eu vou te fazer um elogio por dia
(e nunca vai faltar palavra pra te elogiar)
mesmo que seja só:
a luz do jeito que bate no teu cabelo faz um reflexo lindo
ou
gosto quando você começa a sorrir primeiro com os olhos
ou
aquela música que você colocou ontem foi como um cafuné
ou
fiz seu prato preferido, amor.

será que você virá inesperadamente?
num dia em que tudo deu errado, e eu te encontro de repente?
será que você virá num dia pacato?
será que eu vou saber que é você na hora?
ou vou perceber como passar dos dias?
será que você vai gostar de discutir azulejos?
e a posição do sofá? dos meus desenhos pelas paredes?
da lista de músicas que eu fiz pra te mostrar
enquanto espero você chegar?

eu nunca vou querer que você me salve de nada
(nem da falta que você já me faz antes mesmo de chegar)
porque agora eu não tenho mais medo
não tenho medo nem de que você não venha.



eu quereria ser poeta de vidas
deixar felizes os miseráveis
dar abrigo aos que tem frio
dar amor aos que tem asas

mas calhou de eu ser assim
enfática e peremptória
(dada ao apocalipse)
e toda vez que me apocalipso
como um lilás intenso
já me perco noutro sonho
já me contextualizo na história
e se o futuro já é passado
se o presente é pura glória,
me lanço no espaço tempo
entrego coração peito e verbo
a minha e a tua memória.

Por que não pudeste, amor
abrigar me em seu peito
e dar guarida?

estavas tão aflita
corrias de mim
e eu assim, com um buquê de palavras nas mãos
as palavras mais belas recolhidas
entre ossos velhos e velhas minas
entre escombros de ruínas
entre meus olhos em encanto

mas não querias os meus verbos
querias perfeição
e eu te oferecia abismos

(era só o que eu tinha para oferecer-te
então
abismo e trovão)

e agora,
que o outono se abre em pranto
e tenho nas mãos esse lirismo
é tu quem me oferece abismos
e eu aceito portanto

pega o tal buquê
são teus
são tão teus os poemas
quanto os dias
quanto o pranto
eu me recolho com os meus
e me reinvento
de novo
renasço
no meu canto.
É fato:
há entre eu
e quem eu amo
quilômetros.
e eles me doem
na tarde fria

faz sol.
mas o entardecer
promete frio
(me agasalho de tristezas)

porque tudo cheira a morte?
se amor é redivivo e se reinventa
se o amor ainda tenta
e teima em me assolar
me avassala
por mais que eu diga:
vai embora amor,
me deixa respirar
para de sufocar

"não me arrebatou"
há que se aceitar

nunca pôde a poesia abrir um peito a força ainda que se esforce

aqui há um tórax
de onde o coração
acabou de partir
e partido foi
além
mar-estelar de mim
guardar-se para não me ferir

meu coração tem mais sóis que eu

não há mais lágrimas:
tudo foi sentido
e sem sentido
perdi tudo
e agora perdi tu

mas não me queixo do amor:
tive poesia e esta durou
agora é só o coração só
que busca,
sentido,
no caminho eterno que restou.

será que era eu aquele pardalzinho suicida
em vôo cego no teu mar?


se achares este jeito
de dormir pra sempre
leva-me junto no teu sono?
eleva-me
sonha comigo e habita
minha noite, intacta
como na memória dos pardaizinhos

um sonho em brumas
onde eu possa amar-te em paz
e mais
tu cavalgarias num pégasus lilás
e eu num beija-flor arco íris
e eu viria a teu encontro
ao ires

colheríamos flores
bromélias e acalantos
nunca mais haveria pranto
e só sorriríamos
isso num nunca acordar
num para sempre adormecido
ao teu lado
rente a um rio
que nunca cessaria
de correr para o mar

tomaríamos com golfinhos
longos banhos
(e os botos também participariam)
depois nos levariam
pra perto dos tritões e ondinas
desejaríamos nunca de lá sair
e que nunca raiasse o dia

(também nunca ninguém saberia
nosso intrincado segredo:
de que te desejo para além do tempo
e que és um presente momento)

e mesmo assim
quando o sol insistisse em romper os céus
nós ainda em profundo sono
nos abracaríamos em sonho
e nunca morreríamos.
A coisa-poema
deu-se como num dia de sol muito forte
em que ardem os olhos e os poros
de eu te amar num instante-conectado à eternidade
enquanto sol batia forte em suas costas
lambendo cabelos&peles no contra luz
desenhando a aura-anjo-contorno-brilhante tatuado na minha retina
Você ria de algo muito bobo, como um trocadilho
e o riso completava o quadro
por tudo, onde o passado não existe
onde não existe medo nem futuro
onde tudo ainda é potência
amei-te e amo
esperando que o sol se ponha solene
como em antigas falésias.
Tudo leve, tudo macio
tudo lívido, tudo vívido
por tudo vivido
já vale um dia ao sol.
pequeno poema respiração:

(se eu pudesse eu dizia, e
isso é o coração querendo
o que os dias dizem não)

abre um vácuo no tempo e retoma
retorna
me acha aí dentro
procura
não me perde
não deixa
que o tempo
a vida
as coisas
empaquem
abandonem
destruam

o que era quase amor?

ou o quase era maior
que no estilhaço sufocou?

então abre o vácuo tempo
acha a brecha temporal
e me mete aí dentro
(que o resto se resolve:
tudo que ficou suspenso
os dias os tempo a distância
os outros o julgo o silêncio)

acha uma ilha no seu peito
me deita lá com livros
cães e gatos e café
e me visita no entardecer
que te faço rir um pouco
que te deito nos meus braços
e fico comentando os filmes
(não,isso eu nunca mais faço)

eu sei fazer de novo
eu posso ainda fazer
mas
eu posso também
só deixar escorrer.
tenho uns nojos de mim
tenho assim
medos de mim
tenho umas partes escuras sim
escusas sombras de mim

e quando olho falo penso ajo assim
com nãos querendo dizer sins
eu reajo mal.
eu reajo, meu bem e mal enfim
eu reajo com nojo de mim.

e se reativa for a dor no fim
que ela pare na sombra
que ela caiba em mim
pra que assim
mesmo o nojo, a feiúra,
o que me é nocivo e ruim
pare em mim
não movendo a roda kármica
me te libertando enfim
mesmo fora
mesmo longe
e mesmo assim
íntegra,
sem medo do fim.

dentro de uma caixinha.

a caixinha dentro de uma outra maior.

essa outra trancafiada
com cadeado de um segredo.

(o segredo eu só contei pra uma sereia
que mora num além mar esquecido
e depois também eu esqueci)

isso tudo num pote, fechado a vácuo
(de ilusão)
com babadinhos retrô.

o pote está guardado
dentro de um armário
de madeira de lei
(com ornamentos na porta
e lindos puxadores de latão).

o armário no sótão trancado
de uma mansão de mil quartos
com lindos afrescos nas paredes
(contando histórias de animais sonhados
de travesseiros que são pontas,
de flores inventadas,
pirulitos e beija flores)

a mansão é uma ruína sub-marítima
(que ainda não foi encontrada
por nenhum escafandrista
mas amplamente visitada
por ondinas e nereidas)
fortemente guardada
por um furioso tritão.

essa ruína fica num mar longíquo
(e muito bonito
onde a luz bate violeta
cor de transformação.)

mar de um planeta ainda não descoberto.

de uma outra galáxia espiralada

tão longe tão longe tão longe

que só se chega, se se vai
com sonhos mais puros na mão.

é aí
que a partir de agora
protegido de roubos abruptos

meti

meu coração.




Chamo-me agora tufão
E dessa diminuta altura conclamo os ventos
Dos raios, sou o trovão barulhento
Fúria varrendo os mares
Onde dantes repousava meu corpo
Onda era meu corpo, o olhar
é sangue-som a ventar
Balanço, onda, marejar
Corro por entre a noite sem luar.

Pois sou em diante vento
Éter estelar
Ventania cósmica, queima-pulsar
Asteróide, palavra, brisa,
farfalhar
de riso e pranto no meu cantar

Sou aquela que sacode
balança, faz quebrar
Transmuta, transforma, faz estancar
arrepia na coluna
quebra pilar, abala a estrutura logo ao chegar
Espalha o que não é firme no ar

Se são ventos de boas novas
Que trago ao passar
Só os que forem comigo poderão julgar:
é por detrás das minhas asas
que me mantenho no ar
se ousar me querer,
se quiser me ter,
vai ter que agüentar.

De não fazer planos futuros
Me refundei
De assim
me olhar em espelhos retorcidos para mim
rir de mim.
Devagar, assim.

De não fazer planos futuros
já construí miríades de lares
em outros lugares
dentro de mim.

(Cada vez que me deixares
sairá um poema?
E se forem muitos
pena
vais deixar-me mesmo assim)

de não fazer planos futuros
foi meu coração além:
construí planos eternos, meu bem
(se é que eternidade pode ser leve
porque se nunca termina e nunca principia
fica suspensa no girar da roda da vida
espaço-tempo redesenhado pelo amor)

Não tenho medo de usar essas palavras
eu fui lá e vi o que era!
Era amor, com essas letras
como ele se manifesta é o que veremos
é a aventura.
É Ítaca longínqua nunca chegando
apesar de estarmos à sua procura.

Escrevo poemas então
para quando chegares
para quando partires
para teus acordares
E rires.
E quando esgotar o lirismo

Se é que um dia finda
como é eternidade
Seja o que for
Te amarei ainda.