E novamente aqueles olhos que guardam facas de pontas sangrentas, olham-me acusatórios. Penso em sutilezas. Não as tem? Por que eu, esfinge de mil questões sei mais perguntas que respostas. Posso indagar-te sobre fins e começos, mas cansei-me das acusações. Pois se foste tu que arcaste com meus mundos, se foste tu que também escolheste ser pedra ao lado de meus oceanos, ser porto, ser âncora. Sim, necessitávamos de chão. Tu que escolheste sê-lo. Por que não escolheste ser barco e me navegar? Por que não gaivota, enguia, gota, orca, carangueijo, cobrad´água, octopus, navio, jangada, tronco, pelicano, peixe, algo movente? Foste tu a escolher a comporta e eu me fiz por isso maré baixa.
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Os tempos mudaram e tuas comportas de nada me servem, me barram. Tua âncora enferuja com a longa corrente que arrasto. Tua pedra se gasta e te tornas areia. O que faremos com as águas? Deixemos que Atlanta se inunde e esperaremos impassíveis os escafandristas apocalípticos?
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Se a cura para seixo e rio é brisa e labareda, vale a dor de arder no fogo dançante para contemplar a libertária ciranda em que os pactos se emendam? E se os pactos forem trocados por combinados fluídicos de dureza relativa ao estofo da alma? E se a alma for estufada com finos cetins púrpuras e maná dos deuses e, ao invés de âncorada por latros duros, lançada com potentes asas como as que sonhaste, asas de dragão, que não suportam o peso réptil, mas te leva onde desejas soprar o hálito-fogo?
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E se déssemos as mãos e alcançássemos vôo, tu, com as pequenas asas escamosas e eu com as minhas - que a minha estrutura não suporta quando abertas, tamanha envergadura do que sonho e tão fraco e diminuto o corpo desnutrido? Poderíamos balancear o curso? Cairíamos as duas com nossas ilusões de corpo?
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Não posso amarrar-te a mim, nem obrigar-te a vir.
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Dá-me a mão. Quero mostrar-te algo: vê, também há escamas em meu rabo de serpente. Trinca os dentes tu também naminha carne. Prefiro ser as duas serpentes infinitas entrelaçadas junto a ti do que esta, estúpida, que devora sozinha sua vértebra.

Um comentário:

Anônimo disse...

saudade dos seus posts... cadê você? Tô aqui, caso queira ombros... tenho dois!