Auto descrição matutina

Não há espelhos que reflitam meu ser, e sou portanto, não imagem. Se me miro nas águas cinzas das poças paulistanas vejo apenas uma menina, com olhos pintados e brincos. É feliz, acho. Se olho nos olhos dela aí sim vejo: esfinge, de duras garras. Mas oroborus que se come-se. Se sou leão, sou metade serpente, e tenho asas de águia. Acho que tenho chifre, não sei. Um apenas, como unicórnios, mas não me transporta. Impulsividade de búfalo à sombra. Sonhadora, é provável. Capaz de loucuras. Dança no meio da rua, pisa na poça e a não-imagem se turva.
A cabeça onde esfinge manda propõe enigmas onde sou as duas pontas, a esfinge e talvez também Édipo. Miro nos olhos dela e fico embasbacada, por que contenho todos os enigmas do mundo, que se resumem em um: eu ou não eu?
A serpente, que só se sacia com o próprio gosto de sua pele trocada, devora um pedaço da cauda, que é sua e de outrem. Giro em torno de mim mesma e só vejo a tal serpente me comendo, que ainda sou eu, tal como um sonho que se passa dentro do próprio umbigo. Um gato. Uma chama de fogo azul. Na nuca, asas. Na testa, chifre. Na cabeça: a esfinge, a serpente, a nuca, a testa, a cabeça: e dentro dela esfinge, nuca testa e serpente e cabeça: esfinge, nuca...
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O que resta da menina de olhos pintados?

Um comentário:

DREFER disse...

"Miscelaneus" - a partir de que moemnto imagens como essas passam a assaltar nossos dias e como conviver com elas sem susto, são perguntas que faço.